Trata-se de um exercício irônico conceber um texto crítico a respeito de Pique-Pedra. Isto porque as ações do Jandir, e especificamente essa, me soam quase sempre uma espécie de resistência ao que possa enquadrar-se num campo confortável de crítica e arte. Pique-Pedra explica-se. Convoca sua autonomia, sobretudo. E faz isso segundo a frágil rigidez de regras extensíveis e indeterminadas, a não ser pelo material em questão: a pedra. A questão é que Jandir quer se eximir da criação do jogo entendendo que sua ação foi simplesmente desvelá-lo a nós. O que faz é dizer-nos: estão todos a jogar.
Enquanto constroem, enquanto produzem joias, estão todos a jogar. E o faz trazendo a amplidão dessa lógica à um exemplo de literalidade: recolhe algumas pedras portuguesas, já deslocáveis em nome, e as amontoa sobre a mesa, anexando um texto com as instruções. Tudo isso se faz numa dinâmica irônica que forja jogadores inescapáveis de uma lógica cotidiana também
lúdica.
[…]
Não se trata de um arranjo surreal ou irreal. Não posso negar a coerência de Pique-Pedra, como não nego a do Pique-esconde ou de qualquer dinâmica lúdica. Os perseguidos ou fugitivos também brincam de pique-esconde assim como os construtores (ou qualquer deslocador de pedras, segundo a regra) brinca de pique-pedra. O ludus faz-se como uma nova camada de sentido
depositada por cima da ação. Esse sentido, sobretudo, reativa uma ação dormente, reproduzível, desnuda-a porque faz ver. […] Como diria Huizinga, a respeito do Homo Ludens, “A existência do jogo é inegável. É possível negar, se se quiser, quase todas as abstrações: a justiça, a beleza, o bem, Deus. É
possível negar-se a seriedade, mas não o jogo.”
Pollyana Quintella
Excerto do texto crítico à respeito da ocupação
Sem título | 2014 | Deslocamento de pedras e distribuição do texto Pique-pedra na ocupação Novas Poéticas, na EBA/UFRJ