Escrito – Caminhada para o Jandir. Janeiro 2017.
Robnei Bonifácio <robneibonifacio@hotmail.com>
Para: “Jandir Jr.” <mailexpressivo@gmail.com>
“(…) A amizade diminui a distância entre as pessoas. Para mim, é uma das coisas mais importantes do mundo (…)”
Keith Richards, em seu livro “Vida”.
Deve ser a 5 ou 6a caminhada que faço até a casa do Jandir.
Desta vez, porém, usei meus tênis que calcei para caminhadas/visitas mais longas.
(Jandir mora na Vila da Penha, bairro vizinho à Irajá).
De início o que motivou nosso encontro foi a devolução de um tecido.
Uma bandeira, na verdade. A carreguei no ombro esquerdo. Na mão direita, meu guarda chuva. Estava equipado para uma provável chuva de verão. Foi uma caminhada pós-chuva.
Conforme me deslocava entre Irajá e Vila da Penha, meu corpo já cansado aquecia-se cada vez mais, ignorando o frio tímido do Rio de Janeiro. A bandeira mantinha o suor de meu ombro. Ela, que já protegeu outro corpo contra o frio, agora era carregada entre estes dois bairros do subúrbio.
Pelas ruas eu me perguntava o que fazer por Jandir. Neste ritual do caminhar, penso naquele ou naquela que vou visitar. Mesmo tendo ido em sua casa mais de uma vez, me senti inseguro sobre qual caminho tomar. Ora, foram inúmeras vezes em que passei pelo Largo do Bicão, seja a pé ou de ônibus! Como pude me sentir confuso nos primeiros minutos de viagem? Para além da direção a ser tomada, precisei encarar a realidade violenta dessa cidade cartão postal. Há poucos dias uma criança de 2 anos foi baleada no Habib’s de Irajá, vindo infelizmente a falecer.
O horário em que saí de casa também não me agradava muito (Saí por volta das 21h).
A bandeira que carreguei nos ombros me ajudava a manter o calor. Seu potencial porém, não era apenas físico. Seu poder simbólico me acalentava. Ao lembrar de sua cor branca, pude compará-la aos gestos nobres que vi pelas ruas, onde algumas pessoas distribuíam comida àquelas que não tinham o que comer.
Pensei também na cor negra da pele de algumas pessoas que vi na rua. E que espaço elas ocupavam. Que espaço eu ocupo? Acho que essas são questões que eu e Jandir temos em comum. Também compartilhamos características em alguns trabalhos artísticos. A carga afetiva presente nos objetos, a troca, encontros pela cidade e a imaterialidade que atravessa tudo isso preocupa a nós dois. Em meio a esses pensamentos, me vi com meu melhor guarda-chuvas na mão direita. Durante o caminhar eu o trocava entre minhas mãos. Ao encontrar Jandir na porta de sua casa, deixei o guarda chuva em suas mãos. Há pouco ele lia um email que recebera de uma amiga perguntando sobre o paradeiro de sua bandeira. Ela havia acabado de voltar.
Eu poderia voltar para casa carregando o peso da chuva. Numa troca não planejada, Jandir me deu bolinhas de gude que havia me prometido semanas atrás. Neste mesmo dia, havia recebido bolinhas de gude das mãos de meu primo. Choveu bolinhas de gude.
Durante nosso encontro falamos sobre amizades e projetos. Jandir estava doente. Ardeu em febre durante um dia de folga do trabalho. Estava abatido pela doença e pelos remédios. Nossa conversa se estendeu até Jéssica, uma amiga em comum. Mesmo virtualmente, seu carinho foi sentido de perto. “Amo vocês”, ela se disse se despedindo com voz carregada de sono. Já eram 23h. Espero que Jandir tenha voltado para casa um pouco melhor.
Voltei andando com o corpo extremamente pesado.
Algo estava mais leve.