Um educador me veio e pediu para que eu estendesse o tecido que ele usara com um grupo de pessoas na chuva, e que molhou por isto, rés na exposição que eu monitorava. Foi difícil, mas encontrei um espaço abaixo do de Bernardo Damasceno, O M.A.R. vai virar sertão. E ao por o tecido sob aqueles barquinhos me foi imperativo imaginar sua azulidão como o mar mesmo, onde embarcações se doam para a estada, apesar das de Bernardo parecerem planar. Mas faltavam ondas no tecido inanimado, de modo que me pus em uma de suas extremidades e iniciei movimentos bem pequenos com meus dedos sobre sua superfície, enrugando-a e alisando-a, criando o impulso gravitacional daquele mar ou, se preferirmos, animando-o.
Ontem, Cypriano nos disse que animar é dar vida, na raiz sígnica desta palavra. Não encontro palavra melhor para pensar o que fazia ali, até porque um grupo de crianças logo chegou quando comecei a desenhar ondas de modo sisífico, me ajudando nesta empresa ao descobrir novas formas de a fazer e conversando sobre nosso encantamento mútuo em ondular. Talvez nos seduzisse que aquilo fosse como os desenhos animados que vimos nas telas da mídia, mais que a aparente estática dum tecido repousado no chão. Mais evidente era que animávamos não só o tecido ao passarmos nossos dedos nele, mas toda a obra de Damasceno, todos os barcos que a residiam, tudo que ali a rodeava: a galeria toda. Não entendam que digo estática das obras estáticas expostas, já que sei que delas se pode esperar ânima, mas digo que dotamos elas de personalidade e movimentos ao lhe criarmos contexto, e que outra dimensão de nós, mais tátil, é posta em criação quando fazemos o mar ao lhe acariciarmos. O inverso, contudo, também opera: a presença de barquinhos acima de nós, quando enrugamos aquele tecido, nos cartuniza o gesto de certa maneira. Já não sei então se há uma só origem neste impulso animador agora que duvido se ele parte somente de nós ou de nosso contexto. Penso nesta confluência originária, mas isso é olhar pra um anterior encontro e debitar a ele toda a criação, quando há o mar a ser agitado por nossos toques, breves frente a infinitude que a tarefa suscita.

