Abaixo, dois textos que escrevi para exposições de artistas (pontos fora da curva no que tenho feito).
Máquina de movimento perpétuo, a diabetes e a produção do açúcar. Não quero comprovar a linha que inicia estas poucas palavras aqui. Desejaria escapar a essa responsabilidade; são esses trabalhos de Antonio que me trouxeram até ela. Só se fosse o caso de medir o açúcar pelo gosto que deixa na minha língua. Mas convivo com Antonio e já o vi de três em três horas se alimentar e medir seu índice glicêmico. Me parece impossível não associar, num contínuo, o consumo do açúcar e sua distribuição quando se tem de medir-se afim de encontrá-lo em si.
Por viver à espreita da glicose em seu sangue, Antonio me parece consubstancial ao próprio açúcar e às dinâmicas sociais que o possibilitam amplamente. Só assim sua figura recorrente em fotografias e sangue sobre papéis me oferece leitura. Antonio é um só com os cortadores de cana em condições análogas à escravidão, que, por sua vez, são um só com o rótulo que vejo ensacar as quantidades refinadas que uso como adoçante mensalmente. Mas essa coligação vai além e, em seu procedimento artístico, em claro diálogo crítico com certas produções modernas e contemporâneas, representações científicas e estimativas relacionadas ao açúcar se amalgamam ao performático, ao desenho de matriz conceitual, à abstração geométrica. Consubstancial às dinâmicas sociais mais doces se coloca então este artístico que, já não mais seguramente distante em etnia e sujeição como nos momentos de impulso etnográfico, hoje se encontra em união irrevogável com aquele que poderia ser seu outro, mas que agora é seu agente ou saqueador.
Texto escrito na ocasião da exposição Açúcar, individual de Antonio Gonzaga Amador que ocorreu na Sala José Cândido de Carvalho, em Niterói, no ano de 2016.
oi miga. e aí, beleza? ó, eu tava pensando um pouco sobre… …. sobre as paradas, né? sobre o seu trampo… … sobre a coerência nele, o encadeamento entre os trabalhos e essa parada toda. e me veio a cabeça que… … cara, ele reflete muito sobre a condição de muita gente que tá agora pela prática artística. e, tipo, me faz pensar: pô, quem somos nós que tamo chegando nesse rolê, agora, assim, e…… tomando contato com esse meio? pô, é muito interessante pensar, porque…. … tem…. . eu acho que o campo da arte tem um pouco disso, ó… . . uma necessidade de ter outros estratos da sociedade… é… mostrando que… sei lá, as pessoas precisavam…. . ã….. . é, fiquei meio confuso, assim, mas é porque… … o… porra, é uma parada muito doida, assim…. … tipo… … eu trabalho num museu, né? e eu vejo muitas pessoas passando por aqui que… que não são do habitus cotidiano, não tem o corpo cotidiano que se desloca num museu. então são pessoas que são alheias aos textos de parede, são alheias a postura que geralmente o visitante médio assume ao olhar para uma obra de arte, não se debruçam, não põem a mão no queixo, não olham com encantamento, mas passam. o lance delas não é o da erudição, o da aquisição de conhecimento, que geralmente é o de quem tá nas universidades e….. porra… o dos circuitos intelectuais anteriores que formataram as nossas ideias de museu, mas é o do entretenimento, classe média…. é…… .. e aí, porra, é interessante porque há um movimento de acesso… ã… .. nessas pessoas também nas universidades, entrando em cursos de graduação, por exemplo, em artes visuais, em artes visuais – escultura… …… enfim, o que seja. e aí… é… . .. eu acho que seu trabalho fala sobre a produção de arte relacionada com os hábitos da sociedade de consumo, com os hábitos de quem… tá no paradigma do entretenimento ou da fruição mais tranquila, e menos como esse exercício da intelectualidade… …. mas o estranho disso tudo é que chegam nesses lugares e a gente descobre que na real a gente tá cumprindo a… .. um projeto dessa elite intelectual. é… .. uma coisa que vem muito a cabeça é que eu achava que eu ia ter uma profissão como artista entrando numa universidade de artes. e aí, entrando na universidade, eu descobri que não era bem assim, porque esse não era o projeto de formação ali. tipo, se a gente entra pra esse lugar com a ideia de que a gente vai ser formado pra ter uma profissão e isso não é a verdade, é porque ele responde aos interesses dessa galera….. desse projeto oligárquico de arte-nação. é.. … … e ele não responde às nossas necessidades materiais, ou à nossa necessidade material aliada a nossa… as nossas vontades de ascensão econômica e social, que são também reflexo de como a gente incensa esses privilegiados .. estratos sociais ou, tipo, esses lugares de cânone, tipo, ao invés de criticar eles. e eu vejo que aqui tá o teu trampo, cara. tipo, tá nessa espécie de crítica, é… com relação a esses lugares. tipo, porra, quem somos nós no rolê? qual é a nossa posição ali? eu acho que ele é a síntese perfeita disso, de que a gente é a sociedade de consumo e a gente é artista aqui, ao mesmo tempo, sendo proletariado dessa elite, que nos é alheia nos anseios, nos projetos. … e… .. e a gente tem de alguma forma reelaborado isso a partir desse paradoxo. eu acho que é uma parada do diag… diagnóstico, tanto o que eu falo aqui quanto o que você faz. e… .. ….. eu acho que eu tô falando um monte de besteira também. passam por mim um monte de questões que eu não consigo dar conta, sei lá, tô pensando nisso muito rasteiro, e eu acho que meu dedo tá cansando de segurar o áudio, então… … é… . … eu vou parar de falar. . um beijo, tá? bom dia milla.
Texto escrito na ocasião da exposição Óleo sobre tela, individual de Camilla Braga no programa Solo Projects [Rio] Novas Poéticas 2017, realizado no Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2017.