André Vargas
<andrevargasantos@gmail.com>7 de maio de 2018 20:09
Para: “Jandir Jr.” <mailexpressivo@gmail.com>
Sola e solo partem de onde verbo, e verba, se conjugam no mesmo cultivo-cultura. No culto dos ocultos ninguém está presente e este é o meu presente passando ao passado do fui. Sequer fui eu, um dia, que fui descalço a sentir chão, mas Jandir. Hão os calados calçar sapato à boca feito poetas arcaicos, ou as calçadas seguirão frias na poesia dos meio-fios brancos de cal, calmos de sol, soltos? A escrita grita e, por isso, todos ouvem – ninguém entende trova trovão, trovoada.
Jandir escreveu e se disponibilizou a fazer o que outro escrevesse, eu escrevi respondendo Jandir, me disponibilizando a outorgar, alterando em Jandir um sentido qualquer, mas isso sempre foi Jandir. Nunca fui eu, como uma pichação conceitual no muro da minha própria casa. Culpados, cumplices, mandantes – há crime, sunt lacrimae rerum, e castigo: “O respeito à estética é o primeiro sinal de impotência. Nunca o senti mais do que agora e compreendo cada vez menos qual foi o meu crime…”. Mas escrevo agora para que o jogo continue, como se eu usasse um password (senha: palavra para seguir) e para que eu seja um pouco mais Jandir nas minhas ruas e que tudo possa Jandir.
Amigo.
Escrevi que Jandir teria de andar descalço do trabalho até a sua casa – excetuando os momentos em que estivesse dentro de algum meio de transporte, ou seja, os momentos em que ele não tivesse que andar –, e que, ao chegar à sua casa, fotografasse a sola de seus pés. Assim ele fez e, então me enviou as fotografias.
Não conversamos muito sobre essa experiência depois de feita, mas ele me disse rapidamente que havia sido difícil, pois, no dia em que fez o que lhe escrevi, o chão da cidade estava cheio de lama e ele tinha uma companhia de caminho que lhe julgava o ato insano de andar descalço. Mas eu preciso contar a Jandir o que eu vinha pensando sobre quando me senti a vontade de enviar-lhe tal sugestão, mesmo que só seja grito, seja trovão.
Os corpos pêndulos se inclinam
Como carrilhões ao avesso
Para um lado e para o outro
Hipnotizando deus
Dizem andar, os demônios
Em seus domínios singelos
Mas a terra pesa nos ombros
Vivos, uivos, sem gravidade
A terra é um plano infalível
De ter um plano infalível
E o que fazemos é acreditar
Que fazemos o nosso alívio
No pisar ao chão de um bicho
Não há pegada senão
Aquela que o próprio chão
Deixou ao correr
De nossas raízes envenenadas
E nossos galhos sombrios
Não sobra uma migalha
Pelo caminho dos pés
Mas nos pés o chão deixou
A origem do universo
E toda aquela mentira original.