Proposta de trabalho para ocorrer no seu corpo
Mônica Coster <costerponte@gmail.com>15 de maio de 2018 18:59
Para: “Jandir Jr.” <mailexpressivo@gmail.com>
Te proponho a permanecer, durante o tempo que lhe for possível, com seus relógios pessoais atrasados em uma hora, ou seja, ajustados para o horário de verão.
Jandir Jr. <mailexpressivo@gmail.com>15 de maio de 2018 18:09
Para: Monica Coster <costerponte@gmail.com>
Permanecerei durante quatro meses, seguindo o direcionamento a que você mesma se submeteu.
❤
06/05/2018 – 04:30
(por Monica Coster)
Na minha infância, quando, em um relógio digital, o número das horas era o mesmo que o dos minutos, nós fazíamos um desejo. É claro que sempre se pode fazer pedidos ao cosmos, mas aqueles feitos por dois olhos de criança cravados, durante os demorados 60 segundos, nos números gêmeos do relógio, têm muito mais chance de serem bem sucedidos. Nós não experimentávamos essa prática nos relógios analógicos, tanto porque demoraríamos mais de 1 minuto para decifrar a posição dos ponteiros, quanto porque a magia estava da grafia duplicada dos números. Confesso que essas pequenas crenças – que em muito se aproximam a uma espécie de toque – são as que ficaram mais intimamente incrustadas em mim, de modo que hoje me é praticamente impossível deixar passar um 15:15, ou um 09:09 sem fazer nenhum desejo secreto.
O caso é que a partir do dia 05/05/2018, comecei a usar os meus três relógios – analógico, de pulso e digitais, do celular e do computador – ajustados ao horário de verão, ou seja, atrasados em uma hora em relação à hora local do Rio de Janeiro. Me entreguei de tal modo a essa vivência que com uma frequência muito menor do que imaginei preciso fazer a conversão mental dos números. E então sigo dormindo às 00:00, como costumava dormir e acordando às 09:00, como costumava acordar – isso graças ao fato de que eu não tenho compromissos em horas fixas.
Estar com o relógio atrasado em uma hora não é nada em termos de viver o futuro. Nesse exato momento, nas ilhas oceânicas de Fernando de Noronha, São Pedro e São Paulo, Martins Vaz e Trindade, todos os relógios estão ajustados do mesmo modo que o meu relógio, com duas horas a menos que a hora local de Greenwich. Então, posso saber, um pouco inutilmente, que quando o meu relógio marca meio-dia – 11:00 no Rio de Janeiro – também é meio-dia para os que estão ancorados nas ilhas brasileiras. O caso é que a partir do dia 05/05/2018 comecei a usar os meus três relógios ajustados ao horário de verão e assim permanecerão até novembro deste mesmo ano, quando o horário local do Rio de Janeiro mudará e os meus relógios serão englobados pela hora certa.
Recentemente me emocionei com a história de um amigo que se apaixonou por uma pessoa no ano passado, quando as datas de seus aniversários corresponderam respectivamente ao término e início do horário de verão. E o amor entre eles sempre foi assim, defasado em uma hora. O que significa dizer que eles pertencem ao mesmo fluxo temporal, movem-se na mesma velocidade, relacionam-se na mesma frequência, escrevem no mesmo ritmo, mas estão sempre separados por uma hora de diferença. “Uma paixão de verão. Essa foi a maldição que jogaram sobre nós.” Eu não acredito nisso. Você pode usar o meu relógio. Pode fazer um pedido às horas duplicadas, pois nesse relógio, é sempre verão. Tentativa de que habitemos o mesmo código das horas, a mesma criptografia. Esse relógio é o único para o qual podemos fazer pedidos agora, respondi. “Então estamos à mercê dele?” A hora mágica é sempre a hora defasada. “E o que há no verão de tão especial? O relógio poderia estar duas, três, quatro horas atrasado. Ou então adiantado em uma hora, que estaria fora do tempo”. Sim, mas agora nosso tempo é contado. Em poucos meses já teremos entrado no curso normal das horas. “Me dê um pouco mais de tempo, ele me pediu. Sempre sobra tempo pra te esperar, o respondi. Sempre sobra pelo menos uma hora.”