Frente às chamas que consumiram um museu nacional, vi meu arquivo tão poeira. Um sopro e minha memória irá. Me vejo revendo todo o esforço, confiança e todo o fervor que empreendi em preencher, em me documentar.

É como quando em quinze do sete desse ano, em que escrevi em meus arquivos sobre três caixas de papelão infestadas de cupins, que continham coisas que até então havia chamado de obras. Postas na calçada junto ao lixo, via com alívio irem embora; era a chance d’eu me tornar outra coisa. Combinou com dois mil e dezesseis, dia dezoito de janeiro, quando anotei como objetivo ter traças como audiência. Pude ver finalmente a agitação de uma platéia similar.

Mas não. Nem a ânsia por memória nem a carne putrefando. O incêndio me faz ver quem me vê. Faz me ver quem eu vejo. Me faz querer mais que perenidade. A vivacidade das chamas, seu flamejar.

Desde 1989, há coisas postas em meu arquivo. As listei em dois mil e quinze, e ainda assim me falta gente. Falta perder mais o eixo de mim. Os dedos dos outros não deixam suas marcas aqui tão bem. cúpulas de vidro me protegem, eu que sou todo museu. Cabe rever as faixas de separação. Destituir a autoria. Rever a arte de um só. Cabem os dedos.