enviei um texto muito hermético para uma comunicação num seminário. centro municipal de arte hélio oiticica, dia oito de outubro, dois mil e dezoito, dezoito horas. aqui é uma preparação para uma apresentação outra lá, [em] que [eu] deveria dizer respeito ao texto que enviei. apesar, penso ainda no que escrevi antes, que quero falando ainda agora. vou fazer dois pontos, ó

[um, duas… pessoas que estão na platéia. as descrevo. ainda penso no tanto de lugares vazios ali. por que?] começo desse jeito minha apresentação por desejar lhes falar: é possível imaginarmos com constância pesquisadores preparando minuciosamente suas falas, a exposição de suas pesquisas. mas já os vimos organizarem os assentos de seu público? virarem a voz para uma janela aberta na sala de conferência? demonstrarem sequer alguma mudança de atitude pelo tanto de cadeiras vazias a lhes assistir?

abro uma anotação. talvez. o autor como produtor, walter benjamin. mil novecentos e menos. percorro as páginas e pigarreio, silencio. um pouco. desisto e resolvo falar por mim mesmo. desisto e volto ao escrito. a,… bem,

assim: o autor como produtor é aquele que atua dentro das relações de produção do social. [alguém minha mente pergunta – oi?] imagine um escritor que, lutando pela manutenção do estado soviético, da comunização toda, já não faça obras primas literárias, mas escreva propagandas, manifestos, agitações, documentos burocráticos para os dias corriqueiros na ditadura do proletariado. [e – a, cara. fazendo isso ele já não seria mais um escritor. ia ser um cara escrevendo prumas paradas mais dia a dia.] exatamente: ele empregaria a técnica na vida produtiva. uma distinção já não faria sentido. ele já não seria só um cara comentando, um intelectual analisando, um escritor burguesão fazendo coisas bonitas e só, e…

[a platéia se mexe. doem bundas nas carteiras]

por que chegamos até aqui? [eu…:] por que a academia consegue fazer seminários e conferências com as mesmas pessoas sentadinhas se olhando, ou nem isso, quase ninguém mermo? por que o conteúdo da pesquisa prescinde a recepção do público nos interesses de nossos eventos universitários, de nossa atuação? a pesquisa reside só na boca que fala e não nos ouvidos que a ouve? ela sai da língua pra chegar em quê?

[há pessoas interessadas. duas. se houverem pessoas para se interessar. se mais do que isso, o restante parecerá cansada]

ó, vladimir safatle disse coisas sobre o pesquisador como um produtor. é, disse sim, à beça. e, por exemplo, n’o que resta da universidade ele disse [dessa vez com os olhos fixos em quem me olha, eu falo sem cogitar recorrer à leitura] que há uma diferença entre a universidade do século xix, ferramental à adesão às políticas estadistas contra o espectro da revolução francesa, e que excluiu tantos intelectuais de qualquer chance de estar em suas fileiras, marx, feuerbach [não sei pronunciar isso, acho que vou pular esse nome]… já que todos distantes dessas vontades políticas nacionais. e as universidades em maio de 68, em tensão com[tra] o estado, justamente.

[     v   i   x    i                  ]

olha, vou pôr um trecho aqui, mudar de contextualizar a hipótese. difícil

No entanto, seria o caso de insistir aqui, e isto vale como uma crítica que é também uma autocrítica, como tais processos [de neutralização da universidade em seu papel social, [eu digo tirando os olhos do texto, pondo-os na direção dos olhos do público]] não poderiam ocorrer sem a demissão da classe intelectual de sua função histórica de responsável pelo tensionamento de processos políticos.

e aí eu pergunto – o que quer dizer? e vou tentar falar que a classe intelectual se ausentou. que, claro, os interesses maiores da máquina capitalista global produzem a obsolescência de uma universidade revoltosa como a de 68, e mesmo como das primeiras, do xix, que já não vemos, por safatle, com o poder de engajamento de outrora. que a estas se impõem centros de formação menos onerosos. mas a isso soma-se o aspecto de boutiques das nossas fileiras acadêmicas, de rincões de luxo, de produção de conforto para os seus e da produção de um conhecimento enclausurado em si mesmo. enfim… acho que vocês entendem o que tô tentando dizer aqui, né? que o intelectual universitário se acomodou… sabe? [eu pergunto]

[e sem aguardar uma resposta, quase que digo para esquecermos tudo que falamos até agora. aceno com a mão pro alto negativa. leio]:

Melhor teria sido se a classe intelectual tivesse sustentado o tripé político que a ela compete, a saber, [1] trabalho de base com setores desfavorecidos e vulneráveis, [2] luta pela conquista da opinião pública através da ocupação da imprensa [3] e articulação internacional em redes de pesquisa, tendo em vista a análise de processos político-sociais globais.

eis a visão de safatle. eis o resumo.

é essa vontade de ocupar a vida pública que achei tão parecida com o que benjamin falou lá nos anos trinta do século que já foi: que o intelectual “produtor”, que tende ao programa à esquerda, já não seria o fazedor de coisas belas, alienado numa separação entre arte e vida, ou entre produção intelectual e material. mas há aqui também uma divergência nessa comparação que eu mesmo fiz: não seriam escritores “progressistas” aqueles que benjamin acusa de apartados da luta cotidiana do proletariado, ansiando ocupar posição como tutores intelectuais destes, e nada mais que isso? então… talvez o que safatle vislumbre, referente à uma posição de vida pública da universidade e de seus intelectuais, seja tudo o que benjamin viu como impeditivo à constituição do estado soviético – já que os modelos de eficiência de safatle são simetricamente opostos aos de benjamin: um fala de dentro do decurso histórico de nossa sociedade estratificada por classes, nas lutas possíveis aqui e na ideia de intelectuais que as instruam; o outro, absolutamente imerso no porvir do comunismo global, engajado em pensar no abolir das posições confortavelmente apartadas.

[faço silêncio] [e volto a descrever a audiência, como se não tivesse feito isso no início de tudo: um, duas… pessoas que estão na platéia. as descrevo. ainda penso no tanto de lugares vazios ali. por que?]

[um silêncio desconfortável]

[alguém sai]

veja [e eu digo], algo me ocorre desde uns anos atrás. a forma da pesquisa em artes visuais. artistas já aos montes subverteram a forma de seus artigos, de seus tcc’s, teses, dissertações. reivindicaram um trânsito mais informe entre prática artística e pesquisa. se viram num limite da navalha entre as formalidades da academia e o desenvolvimento selvagem da formalização em artes visuais. mas agora… o que me vem é esse tanto de estranheza quando vejo que há dois pólos que surgem fáceis quando nos tornamos artistas e pesquisadores. há um caráter exteriorizado do artista, que busca sua vida pública, seja em exposições, seja nas ruas e nos processos colaborativos. mas há uma interioridade no que diz respeito a sua atuação como pesquisador do que faz, recolhido em paz em sua escrivaninha, em seu computador, escrevendo em posição reflexiva, tão diferente da atividade mais ginasta de: fotografar, manejar o pincel, negociar, pôr pregos, abrir a exposição, dialogar, montar uma barraca na rua, atuar com ativistas, arrastar, riscar, beber.

escrever é um verbo mais calmo quando sabemos onde ele vai estar; que vai figurar numa revista, numa fala de colóquio, em uma sala quase vazia. e assim, a pesquisa se torna a volta a um ateliê clássico; para o artista contemporâneo é a chance de viver um tipo de ateliê às antigas. o despojamento formalizante do artista atual não se encontra em suas formalizações quando acadêmico. cabe falar de vanguarda em pesquisa de artes? em modernidade? onde eu encontro alguém falando sobre isso, ein? quero buscar isso melhor, se eu puder encontrar um dia… [lembrete]

e mesmo quando investimos em transformações formais em nossas apresentações, em nossas pesquisas, botando coisas loucas ao apresentar um seminário, ao fazermos ensaio visual onde se quer artigo, ao performarmos onde se quer estágio docência [,] as fileiras continuam as mesmas, os estudantes ali, a platéia pós-graduada com sono boceja. como sempre, num jogo onde quem dita as regras de formalização não são só artistas, onde sua autonomia moderna nunca fez cócegas, onde os órgãos de fomento são pensados como nossos mecenas – ou nossos futuros mecenas -, fica menos interessante mudar de modo inconsequente qualquer prática acadêmica.

[esqueci do público. continuo falando, olhando para um espaço escurecido no fundo da sala, como se olhasse para eles]

há muitas coisas para se falar quando se fala na formalização da pesquisa em artes visuais. claro, há as experimentações que artistas empreenderam nos formatos tradicionais monográficos, ou de palestra. mas penso também nos imperativos que fogem da mão autoral mais imediata do artista: sua falta de habilidade em escrever de forma coerente, seus erros de português, o contexto onde trabalham intelectualmente – se têm um quarto com uma mesinha, se dividem uma quitinete com uma família de cinco ou seis pessoas -. há também as pressões dos campus que abrigam essas aulas, com sua falta de repasses e falta de reconhecimento institucional dos programas e departamentos de artes e humanidades por parte das universidades como um todo. gostaria de me deter à tudo isso futuramente, não sei como. mas se há algo que me ocorre agora, de modo que me faz desviar do hermetismo de meu texto original que submeti a este seminário, é isso da recepção de nossas atuações como artistas-pesquisadores por parte de um público. e podemos pensar ela de duas formas: que deveríamos falar para outras pessoas, ampliar nossa voz, nos tornarmos mais decisivos nos debates permeados do artístico que ocorrem nas ruas, nos pixos, no programa da fátima bernardes. mas, se há outra possibilidade, é a de pensar que esse problema mesmo, de que uma outra recepção do que produzimos como universitários deveria ocupar mais nossas preocupações, informe uma mudança na forma como produzimos também; de como adentramos o processo produtivo de nossa própria sociedade, para que a distância entre teoria e…. [paro um tempo pra pensar como seguir] bem, para que saiamos do ateliê acadêmico, larguemos o pincel da intelectualidade que tutela ideologicamente e só… e comecemos a… sei lá, a…. [ ,eu juro que não queria que isso virasse um manifesto. eu mal tenho certezas para reivindicar nada…

]

[escolho não disfarçar a dificuldade em fechar a frase final de minha reivindicações apressadas] digo que essas são alternativas que vi em safatle e benjamin, mas que podem ser informadas por outras perspectivas políticas, outras formas de ver, mas… [já sei como terminar:] de qualquer forma, a forma da pesquisa é que entra em debate aqui. quer seja em seu caráter interno, na sua organização formal mais imediata como artigo ou apresentação em seminário, quer seja na reorganização de sua distribuição social, ou na transformação de seus agentes, de seus meios, de sua técnica política. a forma da pesquisa implica em…  tantas coisas… esse é um papo que não termina. um… [hesito]

[risos]

então eu agradeço [aplausos]

[silêncio

]

Seminário Metodologias <metodologiasseminario@gmail.com> 8 de novembro de 2018 14:04

Prezados, bom dia.

É com muita tristeza que informamos que não será possível realizar a mesa de vocês hoje (08/11) ás 18h no Seminário Metodologias Artísticas: Pesquisa, Política e Invenções. Infelizmente o auditório que seria usado para o Seminário acabou de alagar e não temos outros espaços salubres disponíveis.

Gostaríamos de saber se vocês tem disponiblidade de fazer a mesma mesa amanhã, dia 09/11.

Ficamos no aguardo e pedimos desculpas mais uma vez.