Há um tempo, coleciono os papéis em que carregamos impressa nossa rotina de trabalho, nós que monitoramos o museu. Papéis dobrados, que depois de certo horário já não são mais abertos, e que se acumulam nas lixeiras do fim dos dias, com exceção desses que colecionei.

Os guardo num de nossos escaninhos vazios, que testemunham a ausência de monitores em relação ao passado de nossa equipe, quando maior. Entulhados, um a um, já ocupam todo o seu interior, a ponto de caírem aos montes ao eu inserir mais um novo papel. Tanto que, quando Guilherme e André pensaram num novo jogo artístico, alheio ao nosso trabalho regular, em que deveríamos criar algo a partir do trabalho como um tema, eu prontamente já pensei no que propor.

Retirar os papéis do escaninho. Era só o que queria fazer. Mas combinamos de mostrarmos o que fizemos no dia sete, amanhã, sem chances de remarcarmos, de cancelarmos, para performarmos desde já as durezas dos pactos rotineiros. E percebi isso com clareza ao ver, tarde demais, que amanhã estarei de folga.

Como encontrar com eles, com minha coleção, em nossa jornada de trabalho, se não estarei aqui? Não encontrarei. Estarei longe. Mas planejei me fazer presente num ato. Amanhã, os papéis já não estarão escondidos naquele escaninho. Agora são 18:57. Todo mundo foi embora. Menos eu. Estou em frente ao ponto biométrico, com uma sacola enorme de papéis comigo. Encosto meu dedo, bato o ponto. E agora sento na praça pra terminar de escrever isso.

Há um vazio. Foi isso que fiz. Desculpe a vocês, André e Guilherme, que me disseram, entre risos, que não valeria fazer algo conceitual, desmaterializado. Fiz um vazio, que, por sua vez, me fez atentar para o que são esses papéis. Mesmo sem os abrir, em suas faces externas vi que guardam os desenhos que Rodrigo agora poderia tatuar, conversas escritas entre Daniel e Silvana, rascunhos das atividades educativas que fizemos. Vi que precisam ser preservados, que são nossas memórias, e pensei: como transformo isso em trabalho, algo com o mesmo nome do que temos por temática nesse jogo e que o museu coleciona? Como fazer virar trabalho isso, para que seja acervo daqui, e que sejam acervo daqui então nossas histórias, sempre tão apequenadas frente as bandeiras que flamurarão mais alto que nossos hasteios? Como?

São 19:13, e tenho uma sacola de papéis ao meu lado aqui na Praça Mauá. Subverti em algo as regras do jogo, já não escrevo isso em horário de trabalho. Talvez pelo transbordar desses papéis mesmo, para fora do MAR, trabalho também para fora da minha escala. Mas entendo que não entrego para a proposta esse texto. É o vazio que entrego, amanhã, mesmo que ninguém o veja no escaninho sem nada. Há dois vazios, contudo, que entrego amanhã, enquanto descanso. Meu lapso com relação à minha folga se tornou um gesto constitutivo inescapável. Estar ausente se fez parte, e sumir com algo mais me soou coerente. São 19:39. E eu vou embora já.