Jandir Jr. <mailexpressivo@gmail.com>                                  18 de janeiro de 2019 11:19                 Para: Mariana Paraizo <paraizoborges@gmail.com>

que precioso poder ler sua descrição sobre seu próprio tcc. essa continuidade entre casa e instituição de ensino universitário nunca me ocorreu, mas te ouvindo falar, realmente: parece que é o ponto central de onde cê fez tudo o que fez durante a defesa. copio aqui embaixo o q cê disse. é algo que preciso guardar.

Daí eu te vi falando sobre a autoproclamada pesquisa academica artistica e o reconhecimento da instituicao e essa coisa do tcc continuar sendo feito no ate entao processofolio – e isso m lembrou a coisa estranha q foi defender meu tcc em casa. Mas acho q no meu caso nao foi ultrapassar uma barreira, acho q foi apontar pra algo em latencia: a continuidade d uma pesquisa artistica no caso  d um país colonial como o nosso mts vzs se dá pelo suporte em casa, pela vida no público que é dotado de eixos no doméstico e no familiar, no investimento familiar mesmo d estrutura, ja q a universidade publica hj mal tem esse suporte. mas pelo seu apelo vc conseguiu, e vc relata isso e a gente sente a tragédia, mas a gente sente a secura da tragédia e a desnecessidade de um ponto de tragédia pra uma vida que é uma barra, a barra de quem tá efetivamente marginalizado, e q assume esse papel, mas q assume os desejos tambem, enfim, conflitos.

acho q a minha graça no meu tcc foi desvelar um pouco essa distnção e mostrar que é tudo parte de uma continuidade, no Brasil. rua/insituticao/casa pra quem tem privilegio é uma coisa só, ate pq tem gente que atropela e mata na rua e sai impune – e quem tem privilegio tem prisao domiciliar, né. eu acheguei a te mandar? agr n sei, mas s vc quiser ler m avisa q eu mando. se n quiser, td bem, mas euj mando msm assim kkk

a rua difere da casa no q exige d posturas porém é lugar reflexivo (acho q ela é até meio abaixo hierarquicamente, onde vivemos, pq a lei vem da casa grande e seus agentes andam por ai) – e a casa tem aquela materia da rua tambem, materia no sentido social, q a casa reverbera as estruturas sociais e os arquetipos e parametros coloniais. enfim, nsei como e eu teria q entender melhor isso, mas eu m vejo qrendo dissolver um pouco mais as barreiras pra ver ate onde o limite esgarçae pra possibilitar novos caminhos de retorno (pq a gente sempre acaba voltando, neuroticos). e acho q, no fim, penso um pouco nas institucoes como casas no nosso país.

e mais: tem o vídeo em que você rouba as pessoas dentro da sua própria casa. tem aquele chá que cê tomou, feito de caixa de papelão, ela mesma uma casa pra chaleira que era guardada ali: mais um objeto do lar. a lembrancinha do abre alas, pano de prato.

dá pra entender agora porque há tantes artistas recorrendo a arquivos pessoais em suas produções. fotos antigas, textos da vó, dentes de leite. a casa dá subsistência pras práticas de arte. é o mármore. só não reparava que ela também, com isso, dava subsistência pras pesquisas em arte. seu tcc, seu email aqui, me atenta pra isso. obrigado, mari linda.

já em meu tcc… é ótimo ler seu email. fico tão feliz do seu carinho e de receber sua atenção.. que me faz acreditar que faço alguma coisa ao escrever. que bom que tenho esse privilégio de ter uma leitora tão sinistra comigo!

me vem que ele, meu tcc, é feito de pedaços díspares. ao ler você, percebo que os textos mesmo que estão ali são de momentos tão diferentes que a forma de escrever muda. e nessa forma de escrever, só vou reparando como ainda não me vejo satisfeito.

recentemente tenho vontade de me tornar um contador de histórias. um contador de histórias precisa apurar os ouvidos também. então talvez sejam duas as vontades: a de contar e a de estar atento ao que pode ser uma boa história.

nisso, tenho vontade de amalgamar a essa vontade à prática artística e a pesquisa em arte, como se fossem uma só, num tripé.

leio ensinando a transgredir, da bell hooks. uma contadora de histórias, falando sobre a academia e os incômodos em fazer dela um trabalho mais ativo. amo ela. nela lembro disso, conceição evaristo.

A nossa escrevivência não pode ser lida como histórias para “ninar os da casa grande” e sim para incomodá-los em seus sonos injustos.

escrevivência, é claro, e termo que nomeia a escrita de negras. homens seriam capazes de escrevivência? brancas, negros(,) mestiços, outres que não as mulheres de pele escura? não estou convencido disso, seu texto me diz de outras coisas. mas há aqui ao menos inspiração. talvez até mesmo no sentido de quem respira para depois expirar. minhas histórias, mesmo que só escritas, que incomodem os sonos injustos. deem o fôlego, ou lhe tirem.

bell hooks incomoda os sonos injustos. ali, como professora, acadêmica, sem se demitir de sua posição como mulher, e escurecendo maravilhosamente o mundo, dando-lhe sua noite digna. pela pele preta. contando as histórias.

ela fala sobre entusiasmo, e acho que é isso que gostaria.

unnamed

entusiasmo… não sei, mas associo entusiasmo a essa forma tão apaixonada dela em contar suas histórias. em escrever desse jeito. em falar até de suas referências como parte de algo fundamental para ela, ao invés de mais um trecho excertado, órgão retirado do corpo.

tô numa meio afetado com tudo isso.

fora isso, lembro da mesa com bolo do vira voto, de como acho que elas deveriam estar nas ruas desde a redemocratização. de como tentamos correr atrás de algo que já estava por demais perdido a essa altura, da eleição óbvia de bolsonaro.

lembro de eleonora fabião, indo pras ruas, querendo conversar sobre qualquer assunto com qualquer um, munida das suas cadeiras de casa e de uma plaquinha. só. e que toda a magia estava aí.

nisso me lembro que já não faço visitas mediadas no museu com objetos, propostas performáticas, tinta guache, nada disso. que gosto de conversar. e quando consigo conversar com o grupo, de verdade, fazer dele um fórum, uma arena de comunicação não violenta, quando vejo nele os anseios mais anunciados em todos os textos e discussões sobre mediação que li, vejo a coisa feita.

quero conversar, escrever como quem conversa. ou melhor: escrever e conversar como quem age. como parto das artes visuais, quero escrever e conversar como quem faz arte. e quero que isso seja pesquisa em arte. minha pesquisa. simples assim.

(mas como é difícil)

penso num curso, queria dar uma disciplina de metodologia da pesquisa que fosse, na verdade, como uma oficina de carros. me inspiro no rafael zacca, na oficina experimental de poesia, que você conhece bem.

uma contrametodologia da pesquisa. mas não sei

no mais, pode mostrar o tcc pro lucas, que ainda não conheço.

me manda o seu também!! eu te pedi até

me escreve mais

acho que a leila danzinger é uma das artistas mais importantes pra mim. desde que cruzei com o que ela fez. e ainda assim um mistério: como é tão bom aquilo tudo?

brigado

: )

Jandir Jr. <mailexpressivo@gmail.com>                                  18 de janeiro de 2019 20:40                   Para: Mariana Paraizo <paraizoborges@gmail.com>

ahhh <333!!

só mais um ps: lembrei desse trecho que enviei à um tempão pra ti e mais umas pessoas. lembrei ao escrever sobre: “entusiasmo… não sei, mas associo entusiasmo a essa forma tão apaixonada dela [hooks] em contar suas histórias. em escrever desse jeito. em falar até de suas referências como parte de algo fundamental para ela, ao invés de mais um trecho excertado, órgão retirado do corpo.”. acho que por isso ele encontra oportunidade melhor aqui que naquele contexto, aberto demais. ; )

As aulas, tão propícias à formulação de uma verdade abstrata e metafísica, não parecem sê-lo ao tema da ternura. Há vários séculos a ternura e a afetividade foram desterradas do palácio do conhecimento. Os professores, como se dizia do grande Charcot, atuam como autênticos marechais de campo, seja no momento de enunciar sua verdade ou quando se aprestam a qualificar a aprendizagem. Desde as precoces experiências da escola, adestra-se a criança num saber de guerra que pretende uma neutralidade sem emoções, para que adquira sobre o objeto de conhecimento um domínio absoluto, igual ao que pretendem obter os generais que se apossam das populações inimigas sob a divisa de terra arrasada. Símbolo deste modelo de conhecimento é a forma como se acede ao estudo da vida vegetal ou animal, seja com herbários onde as plantas aparecem murchas e mutiladas, ou através da vivissecção e do dessecamento de animais. Toda interação com a vida que nos rodeia passa por sua destruição, como se a única coisa dos outros da qual nos pudéssemos apropriar fosse seu cadáver. A ciência, com seu esquematismo alienado da dinâmica vital, nos fez crer que só podemos conhecer o outro decompondo-o, uma vez detido o movimento, metodologia que aplicamos diariamente tanto na pesquisa biológica como na social, estendendo-a além disso à vida afetiva e à nossa relação com os outros.

é de um cara chamado luis carlos restrepo, dum livro seu chamado direito a ternura, que encontrei abandonado num shopping uma vez. é maravilhoso o livro. sorte das poucas.

e eu fui eu quem ganhei um email maravilhoso!! (adorei sua fodicina kkkkk melhor nome). quero saber mais sobre como foi. acho super importante esse trabalho da pina, quero conversar com ela sobre também…

no mais, muito amor e gratidão, mesmo.

Jandir Jr. <mailexpressivo@gmail.com>                                  19 de janeiro de 2019 07:52                   Para: Mariana Paraizo <paraizoborges@gmail.com>

Que foda, não conhecia essa carta entre eles! E eu preciso ler preconceito linguístico, desse marcos. Pra dissertação. Que bom saber dessa sua história com ele!