Carta à Beatriz Pimenta Velloso, enviada por e-mail às 19:59h.

 

Professora,

você me disse que seu antigo professor levou seu ego às alturas. Era uma vernissage, a gente parou de frente, trocamos umas ideias e nem sei porquê, mas cê me falava dessa sua história. Dos elogios grandiosos dele, da forma como aquilo cresceu em você quando cê tava começando a estudar na eba. Numa das aulas, ele falava pra toda sua turma: essa sim é uma artista contemporânea! Na outra, repetia o sentido dessa frase com quaisquer outras palavras. E você foi crescendo, fazendo exposições, aparecendo na mídia, ganhando editais, cursando seu mestrado anos depois e… quando percebeu, meio que aquilo não dava em nada. Acho que foi dessa forma que você falou, como se não desse nada, né? Quero dizer, claro que dava!, mas entendo que você me falava de como cê tava sem grana naquele momento, sem trabalho fixo, e em como esses prestígios de aparecer em matéria de jornal e ter exposições não te converteram naqueles que vendem por grandes cifras seus trabalhos e vivem a vida dedicando-se ao ateliê, dividindo o valor do que fazem com uns galeristas. Não. Foi daí que você me disse que os elogios sem ressalvas que recebeu lá no começo te guiaram numa visão utópica sobre si mesmo e sobre o trabalho de artista. Se lembro de forma correta, foi quando cê decidiu trabalhar para uma multinacional, num emprego extenuante, burocrático, alheio a como você tinha conduzido sua vida profissional até então. Imagino que tenha demorado ainda um pouco até você se tornar minha professora na eba.

Acho que por isso cê tem uma postura diferente dessa, incansavelmente elogiosa, com os estudantes agora. Não raro dá puxadas de tapete, diz sem receios do que não gosta, comenta das agruras e maldades do nosso meio; franqueia suas palavras duras ao alunado. E acho que isso é por uma vontade de, por vezes, dar o extremo oposto daquelas palavras doces irrestritas que a levaram ao campo da arte, criando outras criaturas agora que você mesma se vê nessa função, como professora, aquela que dá forma ao porvir, que tem os ouvidos atentos das pessoas que estarão em exposições e universidades daqui a pouco. E, claro, cê é um vórtice aonde tudo de bom converge também. Incentiva tanta gente na eba, elogia de forma tão gostosa quem trabalha com empenho, me fez fazer tantas coisas, tantos projetos, tanto que… não faria sentido falar dessas coisas aí em cima sem ponderar.

Por isso acho que envio essa carta é, na verdade, pra simplesmente te dizer que te ouvi naquele dia. E que aprendi. Nossas discordâncias, na época do trabalho de conclusão de curso no qual você me orientou, marcaram nossas diferenças sim, mas continuaram comigo e me fizeram mais atento a tudo que cê me disse, de modo que poderia dizer que mudei desde então. Hoje, aquele site, meu arquivo, pivô das notas de rodapé que foram meu trabalho de graduação, entendi como um contínuo; um tcc que também é meu diário, que também é meu portfólio e que hoje é minha dissertação. Tudo junto, escrito continuamente. Nele, sei que há entradas de texto que mencionam, mesmo que brevemente, nossa convivência durante o tcc como um episódio conflituoso. Por isso eu gostaria de pôr esta carta na minha dissertação, esta que envio agora para você. Pra construir em meu arquivo uma imagem menos estigmatizada sua, menos caricata, menos marcada pelas negativas que minha convivência contigo resultaram ao que era até então meu tcc. E sim dar mais uma pincelada nesse retrato que se faz nas pequenas descrições que existem nos meus trabalhos a respeito de você, e erguer neles, mesmo que pouco, a força do exemplo que você é para mim agora, para além de todos os outros momentos em que me provocou. Caso você autorize, eu adoraria. E se não, fico feliz de enviar essa carta pra dizer que eu te ouvi e apreciei muito criar essa conexão não com meus sentimentos, mas sim com suas motivações mais profundas.

Obrigado por sua generosidade.

Feliz natal e ano novo!