Antropoazia: e-mail à fabricante do sal de fruta ENO

Olá,

Uma das mais longínquas lembranças que tenho com um de seus produtos não me vem porque o utilizei. Recordo da obra de um artista, Paulo Bruscky. Coisa simples: um sachê de sal de fruta ENO colado em uma folha de papel em branco, com uma palavra carimbada, encabeçando o quadro. POAZIA é o escrito; trocadilho espirituoso entre as palavras ‘poesia’ e ‘azia’ – e com o sal de fruta, claro, reforçando um sentido estomacal, ácido; ratificando um humor fisiológico à composição.

Já em outra ponta, aparentemente destoante do que acabei de dizer, eu penso: à antropofagia seguimos sem um sal de fruta sequer.

Não, não digo que comemos uns aos outros. É que há quase cem anos, Oswald de Andrade escreveu o manifesto antropófago. Foi quando o termo tornou-se um conceito para se pensar o Brasil, e que é usado até hoje. Uma das frases no manifesto funciona como síntese: “Só me interessa o que não é meu.”, isto é, percebemos que nosso país deglutiu tudo que lhe é outro, estrangeiro, ou mesmo autóctone, tornando-se a partir da devoração. É certo, também, que sugeria-se aí outra forma de se jantar essa janta dos costumes. O texto é um manifesto, afinal. Desejava, imagino, informar a uma modernidade nascente: a elite cultural que pretendia vanguardear a produção artística nacional. Pintando uma negra. Celebrando trenzinhos caipiras. Textualizando Makunaimã. Ao passo que usando, para isso, de soluções dialógicas aos movimentos artísticos europeus. Ou seja, cosmopolita, herdeira do colonial, ainda que aqui, nos trópicos.

Pois bem. Quem comeu esse banquete, comeu bem? E nós, seguimos na mesma mesa que eles? Ou comemos seus restos? Ou somos a digestão desses antropófagos? 

Talvez estejamos com azia.

Por isso, gostaria de sugerir ao setor de marketing desta distinta empresa o slogan ANTROPOAZIA. Imagino algo simples para a campanha; ‘antropoazia’ carimbada e, logo abaixo, um simples sachê, assim como na obra de Bruscky. Mas, contanto que façam menção ao trocadilho, imagino que qualquer outra solução visual cairá bem.

                                                      ANTROPOAZIA

Dessa forma, o sal de fruta ENO se fará novamente presente nos debates da cultura nacional. Não só na poesia e visualidade de uma das obras de Paulo Bruscky, mas também na pujante definição do espírito nacional antropófago. Pois, ao que tudo indica, são digestivos os problemas que afligem o termo. Feita de uma alimentação excessiva, misturando comidas que não casam bem, a antropofagia se mostrou a esbórnia de alguns, com direito a ressacas angustiantes e a acidez cultural em que vivemos hoje, o dia seguinte dos antropófagos. Ressaca moral que vem do contato com a verdade nua e crua, destituída das vestes que a embriagez deu ao que viram, ou melhor, ao que deixaram de perceber: todo um povo além, desinteressado, ou mesmo afastado desse banquete. O que preservou a saúde de uma pequena parcela de pessoas, que não comprarão o sal de fruta, imagino. Mas não pensem nisso por agora.

Atenciosamente,

5 de julho de 2022 às 09:15
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