
carta à n-1 edições
Olá,
Recentemente, comprei dois livros com vocês. Ambos da coleção Lampejos, que têm capas adornadas com alfabetos inventados por Waldomiro Mugrelise; garatujas assêmicas, similares ao que percebemos como letras, sem, contudo, identificarmos seus dizeres. Algo entre os papiros antigos e os desenhos de João Jordão da Silva, numa falta de sentido idiomático que me chamou a atenção, sobretudo quando pus este projeto gráfico em comparação a alguns rabiscos que vi na caixa em que os livros vieram.
Vejam as fotos que envio no envelope. Vejam que loucura!




É que estou quase certo que não foram vocês, como editora, que desenharam displicentemente na caixa. O que me assombra, e me faz decidir que esta carta, apesar de endereçada à sua sede, não os têm exatamente como único destinatário. Pois sim, é interessante comunicar a vocês sobre essa coincidência, mas me ocorre com igual força pensar em toda a cadeia por onde esta carta passará, entre carteires, porteires e esteiras automatizadas. No que desenhei formas estranhas no envelope que contém esta carta, para que todes possam observar alguns traços assêmicos nele, assim como vocês, antes de rasga-lo e lerem este texto. E, nisso, reside uma esperança: a de que este envelope passe pelas mãos da mesma pessoa que rabiscou a embalagem que recebi, e a mobilize de alguma forma. Ela se recordar dos tracejados que fez e ver nos meus riscos uma resposta seria esperar demais, eu sei. Mas quem sabe observar um envelope coberto por garatujas ilegíveis a autorize a escrever mais, usando seu abecedário pessoal, em cima de correspondências alheias? Quem sabe ela mesma não vá acrescentar algum rabiscado aos rabiscos que fiz no envelope? Quem sabe não se trate de uma só pessoa, mas de uma multidão, se comunicando numa surdez, com algumas canetas esferográficas? n-1, devo assumir: não há como garantir que só eu rabisquei o envelope. Não há como garantir que só ume rabiscou a caixa.
Atenciosamente,
Jandir Jr., Niterói, 12 de fevereiro de 2023.

