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Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2017

Meu pai vendia cervejas num isopor. Ao morrer essa semana, sobraram duas sacolas de ráfia grandes, cheias até a boca com latas vazias. Ele vendia também as latas vazias. Mas aprendeu que amassando-as o peso dentro de uma sacola entregue dobraria e, com ele, o valor de venda. Esse dinheiro complementava nossa renda familiar e somava aos ganhos de sua aposentadoria de salário mínimo e ao bico com as bebidas no isopor. Mas por seu falecimento já não há dinheiro da previdência pública nem quem venda cervejas aos caras da esquina da Vila da Penha. Mas suas latas vazias há.
Passei a manhã amassando essa última leva. Usei uma pedra grande, como ele, e demorei a entender como fazer isso bem, mas posso dizer que peguei o jeito. De duas sacas, reduzi para uma cheia. E vendo essas tantas latas lembrei de meu título como bacharel em Artes Visuais com ênfase em Escultura, peguei uma das que amassei melhor, escolhi um lugar ao sol e fiz uma fotografia para recordar essa aula que não assisti na faculdade, mas em casa, ministrada por meu pai, ainda que fora de sua presença usual. Ou é artesania popular isso que passa de pai para filho – e nesse caso, um pai e um filho que tem o mesmo nome? A autoria não é importante se somos artesãos, sei disso. Talvez seja por isso que realmente não me vejo escultor: por ser um artesão, que aprende seus ofícios imemoriais com um só mestre, elo de um acorrentado contínuo a preservar aquilo tudo que fiz e que não sei bem, mas são bem mais do que meus feitos. Obrigado, pai.