Imprimi este texto em cupons térmicos que abandonei, preferencialmente, em espaços com caixas de pagamento: lojas, supermercados, padarias, lanchonetes…

É certo que hoje estudo e trabalho com arte. Mas já fui um trabalhador mal pago, desenhando no verso de um cupom. Eu consertava impressoras fiscais e o modo de fugir do trabalho extenuante era esse: esperar os chefes saírem e rabiscar nas próprias bobinas, imprimindo força, fazendo surgir monstros e palavras dos meus traços. Os gritos que gostaria de gritar vinham como charges de bocas enormes, vociferando entre dentes afiados. Assinava meu nome compulsivamente, me vestindo com outra carne, um corpo de tinta, grafado. Em meu trabalho não era mais que uma coisa, eu mal era uma vida, mas tinha um lápis à mão, ou uma caneta, e em traços fugidios riscava como um escape. Traços que, penso eu, se somam a outros traços, desde tempos que não conheci até há pouco, quando eu entrei numa loja e vi o caixa passar minhas compras enquanto desenhava no verso de uma nota que iria para o lixo. Como coautor, anuncio esse livro de paginas soltas, infinito. Esse museu impossível, feito por aqueles a quem foi negada a memória pública. Desenhos e textos que certos trabalhadores fazem, entre uma coisa e outra. Sobrescrevendo papéis sem brancura. Comprovantes queimados.