Carta pra Malu

Malu,

Demorei 25 anos pra responder. É tanto tempo que envio uma cópia da carta que cê me mandou, tô certo que você já esqueceu. Eu mesmo esqueci: você elogiou um desenho que fiz, e já não lembro qual foi. Você me convidou para participar do jogo das profissões, mas quais eram as regras? De todo modo, também mando uma fotografia minha, com décadas de atraso e, portanto, com um rosto envelhecido em relação àquele menino de dez anos que, quando recebeu a carta, respondeu ao seu pai que preferia não ir ao estúdio participar do programa. A distância entre Penha e Ipanema eu medi, naquela época, pela necessidade de sairmos de madrugada para pegar o primeiro ônibus. Hoje, sei que a distância também tem por medida um quarto de século e, por isso, talvez você que recebe esta carta não se chame Malu, apesar de responder pelo mesmo endereço. Se for o caso, não se preocupe, ignore a mensagem. As cartas, às vezes, se extraviam para conversar com seus próprios descaminhos.

fotos: Rafael Salim, 2025

[Esta carta foi um dos capítulos da revista ‘plin plin’, lançada na ocasião da exposição homônima de Felipe Barsuglia no Projeto Vênus em junho de 2024. Tiragem de 200 exemplares. Venda proibida]