Para Vivian Borges

[publicada no livro DSR, descanso semanal remunerado, que v branco criou em 2023 e que chegou às minhas mãos hoje]

Vivian,

Não te conheço, mas já vi seu rosto duas vezes.

(não sou um stalker, tá?)

Na primeira, estava na página de Instagram dum restaurante. Desci e encontrei um post que celebrava seu aniversário. Te chamavam de incrível, declararam que todos na empresa a amavam, e os parabéns nos comentários vinham aos montes, de muitas pessoas, como uma confirmação, sabe? A foto de seu busto mostrava você uniformizada, com um sorriso tranquilo, contra um fundo neutro, uma parede de tijolos pintados de branco. Uma foto que compunha a grade de imagens com que o restaurante se apresentava na rede social. Fotografias profissionais, de comidas bem empratadas, pessoas gargalhando, embalagens chiques, letterings feitos por algume designer, sorvetinhos, donuts, pães gostosos… e, salpicadas entre uma postagem e outra, algumas pessoas uniformizadas, sorrindo. Transmitia-se a ideia de um ambiente agradável, bom de se comer e de se trabalhar (vocês aceitam currículo?).

Não cheguei até esse Instagram à toa. Um artista conversou comigo. Trabalhador das cozinhas, um antigo funcionário daí, fotografou os rostos de colegas de trabalho e, com as fotografias feitas, compôs este livro, entremeando-as à algumas páginas que registram a carteira de trabalho de seu avô. Retratos quase todos em preto e branco, enquanto a carteira colorida, em suas cores sépia, com o amarelado da passagem do tempo, só me fez pensar que o trabalho de base é atemporal, envolve complexidades transatlânticas, sindicalismos e quilombos, hoje, amanhã, depois. As fotos estão em 3×4, seguindo o tamanho e o posicionamento de uma marca de fotografia na antiga carteira de trabalho, vazada para o verso de uma página. Ele, esse artista, foi quem falou seu nome para mim. Sua 3×4 é a última do livro.

Foi a segunda ocasião em que a vi. Seu sorriso me transmitiu a mesma tranquilidade. Seu uniforme, o mesmo padrão quadriculado. Mas havia uma bandana em sua cabeça, um avental preso em seus ombros, e o enquadramento no seu rosto tornou quase como um monumento seu olhar direcionado para baixo, não para a lente da câmera. Da primeira foto então percebi algo para além de seus cabelos trançados e de sua presença exaltada. Percebi que só na segunda imagem criei alguma ideia do que seria a amizade e o trabalho contigo. O que me fez sonhar o que estaria para além do enquadramento na 3×4: você, apoiada num balcão, abrindo um sorriso após gargalhar sobre qualquer piada, talvez compartilhando com es colegas o cansaço da rotina, ou a satisfação de mais um dia entregue com excelência. Ou absorta em seus próprios pensamentos, num momento de introspecção.

De certo, sei que eu, imaginando isso, pude olhar de frente o que geralmente está em segundo plano: algumes trabalhadories de uma cozinha. E tenho neste livro uma espécie de envelope para esta carta, que um artista, um dia, me pediu para escrever à você.

Muito prazer. Um abraço.

Jandir Jr.

[abaixo, algumas fotos, feitas por v branco]