Destinatária: Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica

Rua Luís de Camões, 68, Centro,    Rio de Janeiro, RJ, CEP 20060-040

 

Vamos supor o seguinte: Jandir consulta, no futuro, VERGARA, Luiz Guilherme et al. Paralaboratório Escola-Floresta – zonas experimentais de confluência – Unidade Tripartida da Arte. Documento redigido coletivamente durante a primeira aula do curso Método e Pesquisa em Artes – Paralaboratório Escola-Floresta, ministrado por Luiz Guilherme Vergara no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, no dia 25 de março de 2019. Jandir gargalha. Nesse momento, Jandir está milionário, foragido, tomando um drink num cenário paradisíaco. Um drink sem álcool, porque Jandir não bebe mais álcool. Nem come carne. Enfim, Jandir é previsível no que tange aos modos de ser dos de humanas. E talvez por isso, por esses compromissos com pseudo-coisas do bem™, Jandir para de gargalhar. Uma expressão de sisudez toma conta de sua face, franzindo sua fronte. Jandir está reconsiderando algo.

Jandir encontra um apud com seu nome na página três. Que importância tenho eu no tribunal do esquecimento?, é o que está escrito. Ele sabe: esse apud veio do NERUDA, Pablo. Livro das perguntas. São Paulo: Cosac Naify. 2008. p. 60., que passeou por suas mãos no primeiro dia de aula. O que Vergara chamou de leitura randômica fez com que o livro chegasse às suas mãos naquele primeiro dia. Era um método um tanto estranho. Jandir estranhou Vergara em todos aqueles dias de aula. Nesse primeiro, um livro, esse livro, passeava de mão em mão entre a turma. Cada pessoa o abria em uma página sorteada, lia uma das perguntas ali escritas e passava o livro para uma outra fazer o mesmo. Vergara anotava cada nome e sua respectiva pergunta em silêncio. Só se ouviam suas teclas sendo digitadas. Entre as digitações, Vergara ia dizendo muitas coisas, sim, mas muitas coisas que Jandir não compreendia sequer minimamente. Jandir só recorda Vergara mencionando que aquelas perguntas acompanhariam os estudantes até o fim da disciplina. Jandir sorri novamente, mas de um modo desanimado. Jandir se percebe numa convivência inesperadamente maior com essa proposta.

Jandir, banhando-se em sua praia particular, recorda de como estranhava as aulas de Vergara. Jandir relembra de uma mensagem pessoal do dia dois de abril de 2019, que enviou por seu e-mail mailexpressivo@gmail.com, dizendo de como estranhou ter de ficar de olhos fechados, mexer o corpo, rodar enquanto uma pessoa rodava um recipiente de acrílico no chão, isso tudo a título de discutir um livro de filosofia. Jandir mal conseguiria descrever aquelas aulas. Jandir não entendeu muito bem as aulas. Jandir é rico.

Jandir busca pistas. Jandir sobe as escadas de sua espaçosa mansão. Jandir liga um de seus Macintosh® e reabre as páginas do livro pelo qual fez essas coisas estranhas com seu corpo numa das aulas. Era GADAMER, Hans-Georg. A atualidade do belo: a arte como jogo símbolo e festa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1985. Como se pode perceber, Jandir está desesperado. Jandir tenta ler filosofia como um detetive. Mas Jandir é rico. Alguém rico não tem porquê ser detetive. Mas Jandir se lembra das tantas vezes que repetiu em aula as ideias que capturou nas páginas vinte e nove e trinta. Jandir reabre o .pdf nessas páginas. Vinte e nove e trinta.

Jandir já não entende lhufas desse trecho. Jandir recorda o trecho que considerava próximo a esse, dum DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é filosofia. Rio de Janeiro: Editora 34. 1992. p. 213. Mas a Jandir isso já não importa. Não são essas ideias que ainda busca. Jandir passa os olhos nesse livro somente para relembrar outra coisa, como quem abre a porta da geladeira para pensar durante a madrugada. E Jandir relembra, revive. Jandir retorna ao momento que sua fortuna se tornou sua. Jandir revisita um conhecimento seu sob àquela leitura, lendo-a pela sensibilidade. Se detém numa memória sua a partir dali, e não naquelas letras, chatíssimas, chatéssimas.

Com isso, Jandir retorna ao dia antes das suas riquezas. Era o fim de uma das aulas. Amanda Erthal, com biscoitos da sorte, os põem numa mesa no centro da roda que formava toda a turma reunida. Diz que aquilo é resposta a uma das propostas de Vergara. Pessoas levantam, quebram biscoitos, dizem dos seus escritos em voz alta. Kevin Shalom diz a Jandir: vamos?, e eles vão. Pegam um só biscoito, cada mão em uma extremidade. Lhe quebram. Jandir observa olhares e sorrisos, talvez alguma voz dizendo: o que está escrito? E lê. Suas mãos devem estar mais ocupadas que sua língua, é o quê está escrito. Suas mãos devem estar mais ocupadas que sua língua. Jandir se surpreende com a frase. Jandir guarda a tira de papel em sua carteira. Jandir observa então que em seu verso há uma numeração. Jandir a guarda para si. Não compartilha com ninguém seus números.

Em agosto de dois mil e dezenove, Jandir aposta a numeração num jogo da Mega Sena. E Jandir se torna um milionário naquele sorteio.

(suas mãos devem estar mais ocupadas que sua língua)

Jandir disfarça sua riqueza. Reclama do clima, reclama do trânsito. Reclama da falta de dinheiro, pede dinheiro emprestado à Mônica Coster Ponte. Jandir nega esmolas, Jandir continua recebendo a bolsa de mil e quinhentos reais do mestrado e faz graça: ainda bem que Bolsonaro não cortou a minha, né? Senão eu tava fodido heheheh (, he said). Jandir some depois que defende a dissertação. Jandir compra umas casas, investe na bolsa, usa roupas caras. Sai do país. Jandir bebe drinks ~ sem  álcool~ em sua casa de veraneio. Jandir está com uma cor de pele bem bonita.

Jandir recorda das aulas estranhas do Vergara um dia. Abre o arquivo redigido há anos por ele. É quando fica sério e corre a ler o livro das primeiras aulas. Jandir está reconsiderando algo.

–  Jandir, talvez sua sorte seja um pouco também de Kevin ou de Amanda.

Ou talvez toda a turma de Vergara e ele mesmo seja relacionada a esses números, que não foram ditos por Jandir, mas que lhe foram solicitados. Abre aspas. O que está escrito aí? Fecha aspas. Foi o quê alguém disse.

Jandir manteve as mãos mais ocupadas que a língua e ganhou sozinho o que talvez fosse de mais alguém. Nisso Jandir relembra dos pedidos de funcionárias do Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica por zelo pelo espaço. Faltavam papéis higiênicos, manutenção, faltava pessoal. Jandir sente vontade de ser rico e bom como a Rihanna. Jandir quer ajudar. Jandir deseja ser filantropo.

Jandir retorna. Distribui seu dinheiro todo entre as pessoas das aulas do Vergara, o Vergara, é claro, e o Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, é claro. Dinheiro suficiente para mudar a vida de todos os envolvidos. Jandir então retorna para sua casa na Penha Circular. Jandir consegue depois um emprego como monitor em uma das exposições temporárias no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica. Jandir avisa para não tocarem na obra, por favor, senhor, não toque na obra. Jandir se sente protegendo algo dele. Jandir se vê completamente dedicado à sua causa. Jandir é um herói da cultura.

Visto isso, reconheçamos: evitar esse futuro é possível; vivê-lo já nem tanto. Ler esta carta para vocês, do curso Método e Pesquisa em Artes – Paralaboratório Escola-Floresta, e enviá-la ao Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, muda o futuro. O torna previsível, quando antes era somente… inesperado. Kevin mencionou em uma das aulas a possibilidade de sermos pesquisadoras como se fôssemos detetives inventando nossas próprias investigações. Vergara falou da forma universal de Fibonacci assim como o pensamento científico, que não chega a um fim, mas se espirala infinitamente, infinitamente, sempre subindo, nunca chegando num ponto final. Virgínia Kastrup nos falou da inversão do método: não mais buscar um caminho que leve ao objetivo, mas ter por objetivo, simplesmente, caminhar. A pesquisa aqui é pura invenção. Só nos serve para seguirmos rumo ao desconhecido sem nunca chegarmos. Como o horizonte: linha de terra inalcançável, mas para onde sempre tomamos rumo.

E também porque ninguém precisa que eu vire um herói da cultura, nem eu mesmo, nem o mundo, em sua fome e pobreza por todo o lado, não é mesmo? Que importância tenho eu no tribunal do esquecimento? Essa pergunta me perturba, pois gostaria de ser esquecido com qualidade, e não com uma iminente mágoa de outrens a me rondar. Por isso deixo minha carteira à vista de todas em uma das aulas, lhes leio esse texto durante esse momento, e o envio como carta para o Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, para que sua última linha seja divulgada e atestada, de dentro da minha carteira, por testemunhas, minhas colegas de aula. Essa linha é a em que escrevo o que ainda não disse, dando tempo para que vocês, amigas e amigos de classe, professor e Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, façam suas apostas antes de mim. E tenham a oportunidade de ganhar essa bolada.

07 23 33 48 52 60

Destinatário: EAV | Parque Lage
Setor: Biblioteca
Rua Jardim Botânico, 414
Rio de Janeiro, 22461-000
Brasil

 

 

 

Eu tenho essa vida estranha de pássaro morno. Carrego nas penas o que enrubescerá um céu cinza. Mas eu posso lhe ver? Não. É como alguém pode se sentir enquanto anda: seus passos marcam a terra para logo após sumirem sob as pegadas de outra pessoa. Ou no mal saber onde pisou, quando num chão duro. Nenhuma das pegadas fincam no solo como aquelas distribuídas nas calçadas recém-cimentadas. Ser pássaro morno não é coisa só para mim, eu percebo, porque há só um céu para ser preenchido, mas imenso – é este em que voamos.

Se fazer acervo, ser guardado, ter esta carta guardada por vocês, é pisar em cimento fresco. Ter a planta dos pés plantada na terra que nada dá. E crescer aí, onde nada dá. Crescer na falta de terra: o único húmus em que vingará o semeio da vaidade. É também voar como quem preenche o teto do mundo. Como se aninhasse o globo nas minhas asas. Como se lhe pegasse com meu bico e o levasse. Mas não há ninho meu no infinito do que ainda chamo de universo, e não haveria como pousar.

Por isso eu moro no que eu mesmo carrego. Atlante, pelo que aprendi, é um deus grego condenado a carregar o mundo para todo o sempre em suas costas. Mas não sou deus, nem grego sou. Só tenho as costas, testemunha do que ignoro. É pouco.

Minhas costas só testemunharão os passos que já dei, em suas marcas sobre o chão. Talvez só vejam suficientemente até que o vento espalhe os minúsculos grãos de areia em que os pés fizeram fôrma, e então já não mais.

Bem, nisso, hoje gostaria de ser as suas costas, Lage.

Foi em 2008, talvez. Era um dos dias em que estive uniformizado e suado, carregando maletas pesadas com ferramentas, e indo pela primeira vez na Gávea, pra consertar uma impressora fiscal no Jóquei, um dos clientes da microempresa em que trabalhava em Coelho Neto. E eu lembro de uma garota loira que me olhava fixamente enquanto eu descia do ônibus. Tive muita incerteza por seu ato naquele momento. Não sabia se seu olhar demonstrava interesse em mim ou compaixão por minha condição, salgado de suor, provavelmente carregando tristezas em meu rosto novo. De qualquer forma, mesmo que eu estivesse seduzido, na minha falta de autoestima nunca imaginaria ser observado por uma menina loira da Zona Sul. À época, preferi descartar a esperança de que ela me olhava com interesse. Mas hoje acho isso um pouco mais possível. Algum olhar próprio germinou em mim. E, graças à Zambi, olhos como os dela bem menos me importam.

Saltei em frente a sua entrada. Claro, os muros grafitados do Jóquei me encantaram, me fizeram sonhar em subir em qualquer parede e lhe fixar cores como aquelas. Mas aí, todas aquelas faixas verticais dizendo que você era uma escola de arte me fizeram lembrar dos desenhos que eu fazia escondido no trabalho, em cada bobina de impressora que sobrava, como um antidepressivo, uma forma de garantir sanidade. E sonhei estudar em você. Só sonhei, porque imaginava que era uma fortuna lhe cursar, e nem sonhava que estudaria artes, e nem queria arte, coisa que eu pensava que não ia me dar o que comer. O que me faz pensar que, apesar da diferença e da distância, aquelas faixas escritas em você me tocaram. E eu, mesmo sem formular com convicção isso, já tomava em mim a decisão pela arte, germinando ela.

Em 2011, eu já havia largado esse emprego, já tinha convencido minha família de que queria só estudar, para conseguir graduar na universidade pública em que consegui aprovação. Foram dois anos de pré-vestibular comunitário em Madureira, de as vezes ir e voltar a pé da Penha Circular só pra economizar algum troco, e de levar um sanduíche pequeno na bolsa pra tentar aguentar o tranco das longas horas perdidas numa sala de aula no pouco sábado em que tinha folga do meu serviço. Mas não aguentei tanto tempo. Saí faltando seis meses pro vestibular. Dessa vez, contudo, não desisti da prova na segunda parte, como fiz no ano que havia passado. E eu passei. O primeiro da família.

O primeiro da família a saber, por amigos da universidade, que você, Parque Lage, tinha um curso gratuito. Daí, no semestre seguinte, tentei e consegui frequentá-lo. O nome era Fundamentação. Eu o fiz durante as noites do início de 2011.

Numa delas, senti fome de tal forma que minha pressão abaixou. Pintava qualquer coisa quando notei meu suor frio. E lembrei que tinha pouca grana no bolso, que meu dinheiro economizado do trabalho estava acabando já, que não tinha conseguido comer no Subway, que não tinha comido nada há muito tempo. Era 2011, e eu me aventurava muito longe de casa para chegar até aí, lugar em que ia sem faltas. Era noite, e geralmente chegar de madrugada em casa era comum. Não por alguma diversão após as aulas, mas pelo transporte: ônibus, metrô, ônibus, o andar nas rotas perigosas dentro da Penha Circular e Quitungo. E daí chegar em casa. Seguro e bem, apesar do Parque Longe. Foi só há pouco que reconheci que nunca andei sozinho nas ruas. Na época, era guardado sem nem mesmo rezar.

Mas em 2012, apesar de minhas vontades, cheguei a pedir desculpas a um professor da EAV pelo tanto de aulas que faltava. Meu pai estava internado no Hospital Miguel Couto pela primeira vez. E eu seguindo com ele em ambulâncias, temendo seu coração-bomba, desesperado, pensando no porquê a universidade não me dava uma bolsa-auxílio, eu, que ela já havia identificado como um jovem pobre universitário. As bolsas eram poucas, meu pai perigava morrer e eu precisaria cuidar de muita gente além de mim nessa iminência. Por isso pedi desculpas. Não podia mesmo ir assiduamente às aulas. Não tinha cabeça para isso.

Consegui a bolsa universitária num susto. E meu pai ficou bem, o que me permitiu seguir. Depois, tive alguma tranquilidade. Terminei os cursos contigo, e pouco lhe frequentei findado esse período. Descansei da convivência com gente que eu considerava tão rica, tão distante de mim, com as coisas tão fáceis financeiramente, e sem conflitos contigo, como se você fosse uma extensão de suas casas. Tentei até mesmo pagar um curso em você com o que ganhava, mas logo no segundo mês desisti. Para mim era pesada essa grana toda. E eu não escutava nada bem o inglês sem legendas de alguns vídeos em aula, e nada bem escutava as palavras sem legendas tão estranhas a mim, a Madureira e à Penha, ao Quitungo e a Coelho Neto. Claro, descobri depois que poderia ter aproveitado de minha amizade com o professor para ter seguido matriculado sem gastar. Mas já tinha passado. Eu sempre fui meio arisco, nunca fui monitor em aulas nem nunca fui muito próximo das figuras com poder simbólico. Hoje em dia prefiro regar plantas a fazer contatos profissionais, como exemplo.

E vejo que isso tomou maior corpo em 2015, no meu retorno em você, Lage. Era um curso gratuito oferecido para artistas com desenvolvimento de um portfólio. Seu nome era Práticas Artísticas Contemporâneas, Nível II. E lá, em conhecer tantas pessoas generosas e importantes, tanto encantamento, tantas amizades até hoje, foi também quando semeei a vontade de deixar de ser artista. Ter alimentada tão perto de mim a competitividade, a inveja, as comparações, e sem ganhar nada. Prestígio nunca pagou as contas da classe trabalhadora, eu pensava. E mal sabia que me voltava, pouco a pouco, para meu próprio lar como o paradigma ético. Que retornava.

As aulas ali tinham algum incentivo à profissionalização, e eu discordava do modo como se imaginava aquela profissionalização. 2015. Os editais internos eram muitos, e os comentários sobre as seleções de alunas transcendiam as salas de diretoria, chegavam até nossas classes. Vinham como comparações. Alguns professores traçavam os critérios de certo e errado, de bom e mal, enquanto só me ocorria o quanto era patético isso para uma turma de pessoas que já expunham regularmente, ainda que se exibissem em lugares distintos, o que afirmava como cada um atingia um público, como cada uma tinha atuação diferente da outra. Havia também a vontade de que galgássemos mais e mais os espaços de maior relevância institucional, que fizéssemos contatos e amizades com curadores, com artistas mais relevantes, com galeristas, com pessoas-alavanca para nossas próprias carreiras. E eu, que vinha da universidade, e que acreditava na universidade como o lugar que apontou minha vida profissional, pensava que esse modo de conceber carreira era pela monetização do que poderíamos fazer, era da transformação em prestígio do quê fazíamos, mas não era generoso com quem concebia o que fazia como conhecimento acadêmico, como ação afirmativa, como reparação histórica, extensão universitária, como militância, como atividade anticapitalista, como crítica racial, crítica de classe, como dúvida existencialista, como sobrevivência, como saúde mental, como tudo isso e mais.

Certa vez, uma professora falou saber exatamente quem dali seria artista e quem seria arte-educadorzinho. Não sei se falou no diminutivo, mas o tom foi diminutivo. Foi o que disseram. Eu não estava nessa aula. Mas ela mesma me fez um convite, por e-mail, a ser educador em uma exposição de outra instituição um pouco após isso. Foi como se pusesse seu faro, em busca das contradições que via, a trabalhar. E eu aceitei, feliz. Depois soube. E foi só há pouco que terminei meu período de alguns anos trabalhando com educação em exposições. Paradoxalmente à opinião dela, foi de onde ergui um fôlego raivoso em minhas novas investidas como artista. De um trabalho que sempre foi pouco digno. Sempre.

Fui trabalhador da educação em museus por um período aproximado de cinco anos. Mas, ali, sempre trabalhei mais como monitor, como segurança das obras expostas, que como um educador, o nome pelo qual me chamavam. Isso foi algo que alimentou um trabalho performático que desenvolvo com um amigo, o Antonio. E eu mesmo decidi parar de ser Jandir Jr. após conseguir meu emprego e terminar contigo e com a graduação. Quis me recolher das exposições, das relações cordiais com o prestígio, e manter minha vaidade na coleira. Foram dias difíceis, como são difíceis os dias de trabalho para todas nós. Mas fundamentais para eu reposicionar meus próprios desejos, entender que não havia sentença decisória entre ser artista e educador. Que eu sou de uma família de trabalhadoras de base, antes de tudo. Que eu sou trabalhador, antes de tudo. Que eu não sou branco, antes de tudo. Que eu mesmo, mesmo nessa vontade de parar, nunca parei. Que antes quis parar o sentimento ruim que eu mesmo produzia em mim por não me ver seguindo no rumo do que acreditava, duma sinergia mais cotidiana entre o que aprendi em arte e o dia a dia. De uma prática pouco profissional, ou profissional de um modo prosaico: prosadora e simples, com os pés descalços. Pouco solidária às ambições de certa classe, de sua gana por essa estranha prosperidade econômica, de ser meio socialite.

E com Antonio, com essas performances, chegamos a imaginar uma intervenção aí. Fomos convidados por você no 2018 em que nossos trabalhos ganharam algumas exposições a mais. Foi quando estivemos com mais frequência lhe vendo, somente a lhe observar, sentados no pátio perto da piscina, assistindo o enorme fluxo de turistas fotografando, fazendo fila, coreografando a vida consumista que vivemos. Dali, seguimos um dia para o andar térreo, o dos ateliês de gravura, e reparamos num grupo de funcionárias dos serviços gerais conversando bem próximo de onde era o banheiro feminino. Não tínhamos visto funcionárias até então, o que me fez pensar naquele espaço como um lugar de convivência extrainstitucional dos trabalhadores terceirizados, já que esvaziado de seu público visitante.

Essa hipótese tomou ainda mais corpo quando Antonio me chamou a atenção para a arquitetura do prédio, cujas janelas só são gradeadas nesse andar térreo. Ele então levantou a possibilidade de que este andar, protegido e claustrofóbico, fosse o espaço dedicado aos escravizados à época que esta casa aí era o Engenho Del Rey, ou mesmo o espaço de serviçais na época de residência da família Lage, aristocratas que reformaram e nomearam este edifício que você é.

Confirmamos essas impressões após pesquisarmos sobre as antigas transformações de engenhos do século XIX em moradias. Essas casas recebiam divisões entre o lugar de receber visitas, o de repouso e o de serviço. A área de serviço, assemelhada a um porão, precisava estar ligada à rua diretamente, enquanto as outras não. E só a área de serviço possuía ligação direta com a cozinha, a única parte próxima ao salão de jantar onde também chegavam as visitas. Não é semelhante a sua estrutura, Lage? A ligação com a cozinha, a proximidade do salão principal – que provavelmente já foi essa tal sala de jantar – e o aspecto remoto e cavernal do térreo, em que tantos terceirizados circulam carregando cargas, comida, vassouras, todos os dias.

Nossas performances acontecem conosco vestidos como seguranças de exposições. Uma maneira de comentar que ocupamos o lugar de trabalhadores de base no circuito de arte, assim como nossos pais, avós, bisavós, foram e são trabalhadores de base e, ainda mais anterior que isso, foram escravizadas. Era o quê faríamos por aí, e já estávamos certos que o lugar para performarmos seria essa área de serviços não declarada. Mas nossa colaboração com a sua escola não aconteceu. Na velocidade dos dias, quando vimos, esse interesse havia sumido pelo ar como um balão estourando. Já não tivemos mais respostas interessadas aos nossos contatos. Nem sei direito como, mas não quis. E esse foi o último contato com você que gostaria de mencionar aqui.

Por que?

Porque talvez esta seja, na verdade, uma carta de notícias. Pra dizer que ando bem, Lage. Que tenho tido mais tempo de consertar as coisas aqui em casa. Que tenho cuidado de um pequeno animalzinho de estimação muito doente, com pouco cálcio nos ossos. Que tenho enviado cartas, e isso é tudo o que faço de mais autoral hoje em dia. E me satisfaz um monte.

Eu performo às vezes com o Antonio, o que me faz bem feliz. Sinto saudades das pessoas, do tempo em que éramos mais disponíveis. Tenho esperança no futuro. Depois de algum tempo de tristeza, do falecimento do meu pai em 2017, de me sentir atado à vida assalariada numa empresa patética vestida de museu – e quais empresas não seriam patéticas e vestidas como um museu? –, consegui uma bolsa de mestrado. Me dedico só a isso. Daí meu tempo disponível. Dedicado a escrever algo, a descobrir algo para além do meu próprio umbigo. Dedicado ao cuidado.

De resto, sei que conto pouco, ou que falo demais. Que a pretensão de ser as suas costas pode ser um disfarce meu para não dizer que escrevo isso tudo com um tanto de vaidade. A vaidade me assalta. Há vontade de ver e ser visto. Há vontade de ter relevância. Mas relevância são justamente as pegadas que só as nossas costas veem. São as penas quentes dos pássaros que enfeitam um céu para nós, nunca para eles mesmos. Então escrevo aqui como quem só pode intentar-se como um bom contribuidor para as memórias desse edifício que você é, mas nunca aferir-se como isso. Sou como olhos nas suas costas, vendo o que já foi. Mas contribuindo só com o pouco em que tenho o olhar, eu, alguém que fala ora coisas interessantes, ora coisas discordáveis. Um ser humano que lhe conta histórias um tanto triviais. E que o faz para roubar a história de um edifício do Jardim Botânico da gaveta das elites. Para somar com as outras histórias contadas pelas que me são pares aí. Escurecendo você, Lage. Tornando você um pouco como uma associação de moradores, ou melhor, dos passantes que aí não tem domicílio, conforto, que não lhe tem como uma paisagem próxima e, ainda assim, se fazem como seus hóspedes, ainda que temporários.

Nas gavetas, nos livros empoeirados, nos arquivos. Nos corações de quem nos cuidará. Ou no prestígio. Que tenhamos prestígio, mas só o que nos faça ter saúde.

Saúde aos nossos! Licença e gratidão aos velhos e velhas.

Um beijo, imenso. De quem tem ainda o quê continuar com você, nessa escola pretensiosa no meio da mata atlântica. E que seja para sempre essa escola pretensiosa no meio da mata atlântica, ousando mais do que sua geografia privilegiada, apesar dos ataques.

E um abraço, daqueles que me mostram desarmado, apesar de minhas palavras.

Sempre cabe dizer: obrigado.

Jandir Jr.

 

Destinatário: Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro

Rua Dom Gerardo, 68 – Centro – Rio de Janeiro – Brasil.

 

Uma vez, eu entrei aí no Mosteiro de São Bento bem cedinho. Era um domingo, no horário antes do horário em que eu ia ao trabalho. E eu trabalhava no centro na época, num museu perto daí. Nesse emprego, eu costumava deixar o tênis, meu uniforme numa bolsa, e só lhes vestir ao trabalhar. Porque fora desse regime de carteira assinada eu me vestia de branco. Eu visto branco até hoje, com roupas usadas que compro em brechós e chinelos brancos nos pés; chinelos surrados do tanto que os uso – eu uso somente um par, para economizar no uso de plástico no mundo, e economizar na minha própria grana também -. E uso o branco porque gosto. Não é nem um sinal de iniciação no candomblé, nem de adesão às práticas sikhs, nem de ser cavalo de umbanda, nem enfermeiro de hospital, cozinheiro, coisa assim. Tudo isso me seduz e inspira, é claro. Gosto de carregar as semânticas de cura, paz, de caridade, serviço, de espiritualidade que essa cor tem quando está a cobrir todo o corpo de alguém. Mas somente carrego isso num enlaçamento superficial. Não sou identitariamente nenhum desses que vestem o branco. Sou só um outro alguém, um outro homem de roupas claras. Por mais que eu viva a fé, a trégua, a calma por vezes, sou um que assim está por uma deliberada escolha pessoal, e nada mais.

Mas, quando entrei assim no mosteiro, vi alguns olhares na minha direção. Alguns disfarçavam a curiosidade, me olhavam e desviavam o olhar para o chão. Boa parte, digo. Homens de uniformes acompanhavam meus passos calmos em direção ao interior barroco da igreja, uns outros tantos me viam sair e pisar sem firmeza nem direção no pátio externo. Eu visitava o Mosteiro para fazer uma hora, para aguardar minha hora de trabalho, pois queria rever o esplendor colonial dos dourados e das volutas dos séculos que passaram amargos demais nesse sul. E eu mesmo me estranhei, naquela época, em ter reconhecido beleza nesse empreendimento de dor, erguido compulsoriamente pelos meus. Estranhei que eu olhava aquilo ao invés de reviver constantemente que os corpos que fizeram meu corpo foram dos que poderiam ali estar erguendo o prédio, ora açoitados, ou sendo catequizados, como uma borracha passando em suas cabeças. Eu, anestesiado, olhando praquele espaço suntuoso, ignorava algo daquelas que me burilaram lentamente em suas próprias carnes, em favor da carne de quem me embranqueceu um tanto a pele mais recente. Por isso, eu acho, penso nessas coisas agora: eu também carrego em mim um pouco dos olhos dos que olharam de outra maneira aquilo tudo: duma maneira mais urgente, ainda mais violenta. De uma violência inaugural, talvez. Sem a solidez que os séculos deram em mim, calcificando um tanto dessas dores em meus ossos.

Um cara me chamou mais a atenção naquela manhã. Ele, sentado com uma mulher e uma criança – que talvez fossem sua família -, não buscava disfarçar um olhar de ódio contra mim. Eu vi ódio naqueles olhos, mas havia algo que mesmo não encaixável nessa categoria, que mesmo que eu não tenha certezas se ele me odiava ou não, sem dúvidas atendia ao que há de pior no que se pode sentir por alguém. Não é possível que alguém fixe o olhar deliberadamente sobre outra pessoa por tanto tempo, e daquela forma, sem pensamentos ruins para com ela. Não é possível que ele me visse com carinho. Aqueles olhos não me demonstravam carinho, nem desprezo, mas o oposto disso. E eu conheço os olhos do oposto do carinho, mas essa é uma outra história. Talvez ele mesmo quisesse proteger sua família de mim. Quer dizer: sabe-se lá o que meus próprios olhos também não estavam passando para os dele.

O que cabe dizer é que comecei a questionar minha andança por aí, ao ser observado. Pensava que eu estava à toa demais, que circulava demais, que tava dando mole, vestido daquele jeito, e ainda abusado, olhando cada centímetro da igreja, tirando uma de turista quando minha cara e minhas roupas testemunhavam o contrário. Pensei que ficar espiando nas portas entreabertas fazia com que aquele cara – e talvez outras pessoas – estivessem desconfiadas de mim, com medo de que a qualquer momento eu arriasse prum santo num cantinho do edifício secular, e que ofendesse a família tradicional, talvez. Aí foi quando me dei conta do absurdo que era pensar dessa maneira sobre tudo e sobre mim mesmo, facultar a mim o direito de ir e vir neste espaço, como qualquer outra pessoa teria direito, mesmo que em tese (é algo até comum comigo, d’eu pensar que certos lugares não são pra eu estar). Por isso, não muito contrariado, desci a rampa e me direcionei ao trabalho. Já tava quase na hora de bater o ponto e entrar.

Há pouco, retornei ao mosteiro. Por uma aula que teria aí. Cheguei cedo, vim pelo lado oposto ao do início da Rio Branco, na praça Mauá. Entrei por dentro das ruas de dentro. Quando vi, era mais fácil subir pelo elevador até o mosteiro, estava em frente a porta de vidro que o resguardava. Eu a empurrei.

– Pois não?

– Oi. Eu queria ir no mosteiro.

– Quer mais não?

– Oi?

– Ué? Você queria, não quer mais?

– Ah! Claro, claro! Não, pô. Eu quero ir no mosteiro sim.

– Ali, ó. Quarto andar.

– Muito obrigado.

– Ô, rapaz! Você é capoeirista?

– Eu? Ah… você diz por causa da roupa, né? Não. Sou não. É só por gost…

– Olha só, não pode pegar santo lá em cima não! Não pode pegar santo, tudo bem?

– Claro, fica tranquilo.

Chegaram a me perguntar se não seria possível agir por vias legais contra o mosteiro e o trabalhador que falou isso para mim. Mas cara, é interessante: eu nunca moveria um dedo contra ele. Primeiro: nossa justiça atende a quem? Os meios legais têm encarcerado e penalizado a base da pirâmide social por problemas que escapam às mãos da imediatez prisional. Quer dizer, prendemos um monte de gente por problemas que são heranças da cisão escravocrata nessa terra. Como culpabilizar esse tanto de pessoas por um problema entranhado nas estruturas de nossa sociedade, nesse corte que mantém tantas pessoas abaixo do digno para viver? Eu não sei, mas continuo convencido de que a tal legalidade mais funciona como um projeto de segurança do patrimônio privado que o de uma justiça que nos atenda, na radicalidade que existiria se conjugássemos de forma sincera o ‘nós’, a primeira pessoa do plural. Leia-se com isso que percebo que todo o patrimônio é das elites; que eu mesmo não reconheço que haja um patrimônio verdadeiramente público nesse planeta. É importante também d’eu reconhecer até onde minha erudição é o que permite que não seja eu falando o que esse homem falou pra mim naquele dia. Ver os privilégios de toda minha educação acadêmica-descolonial, antirracista, contra-hegemônica, que ainda assim continua resguardada a poucas pessoas, como eu. É o que contribui à desigualdade: o acesso ao bem-estar social perpassa o capital cultural também, caminha junto a toda essa monetização do cuidado em nosso mundo. Enfim, é tudo tão difuso fora da minha bolha, tanto racismo entre os nossos, tanto feminicídio, tanta fobia entre aquelas que poderiam se ver mais próximas. Entre nós.

Em segundo: pensando por vias estratégicas e desconfiadas, acho que é mais fácil a vocês, empregadores daquele homem, o penalizarem do que penalizar-se pelo que ele mesmo disse. Imagino que seja mais fácil reconhecer a culpa no trabalhador do que em tudo o que a igreja contribuiu para a perseguição dos terreiros e da religiosidade preta, do saber negro que, ao mesmo tempo, é solo daí e faz com que alguns temam o chão donde se ergue o edifício chamado cristianismo. Com certeza seria o mais fácil: vocês teriam respaldo da sociedade ao demitir alguém da classe trabalhadora por ter falado algum absurdo. Nós costumamos pôr todos esses problemas sob responsabilidade da moralidade individual, e pouco sob a complexa e depressiva responsabilidade do curso das batalhas de nossa história, o que seria muito mais difícil; seria algo que talvez nos poria em depressão num primeiro momento, ao invés de nos oferecer respostas imediatas.

Muito difícil que eu não diga, nesse momento em que falo sobre o que ao mesmo tempo pavimenta e amedronta o cristianismo, de que me fizeram crer que a miscigenação afetou duas coisas européias: a gramática e a bíblia. Aí, o solo de que tenho falado, o solo preto do cristianismo: a religiosidade cristã, assim como a língua portuguesa, já não é a mesma nesse país em relação aos outros países cristolusófonos. As contribuições negras – que vejo como contribuições, mesmo que outros vejam como profanações – são imprescindíveis para o exercício da fé cristã neste chão. Não tanto por serem caras – já percebi que perseguem qualquer coisinha de espiritualidade negra que adentre os templos mais pomposos. Mas por serem inescapáveis: pouco se sabe o que rezaríamos se, subitamente, nos tornássemos europeus amanhã.

Assim como o idioma que mudou por cada mulher negra que segurou e amamentou todo o país, ensinando aos pequenos ouvidos o português do porvir colonial, a religião não é o um, não há sua pureza. Ainda assim há o medo regulador, o mais importante para se esteja sempre separado o cristianismo e o candomblé, com um acima e outro abaixo, respectivamente. Por isso a igreja, na sua face perversa, fala pela boca do trabalhador quando eu entro de branco no Mosteiro de São Bento. É a catequese, a missão jesuíta, o epistemicídio falando comigo. É a manutenção da branquitude me dando as cartas do jogo. Mas nisso me imaginei sendo como uma borracha, ou um liquid paper, quando aí cheguei. Estranho se ver como um apagador desses, mas foi assim mesmo comigo: me vi preenchendo de branco as páginas já tão cheias de letras da bíblia. Enchendo-as do branco mais escurecido que eu já pude conceber.

Olha, eu acho que venho lhes dizer de tudo isso por uma falta que se abate em meu peito. Já comentei sobre isso com minhas companheiras de mestrado, com meus amigos, com minhas amigas, com tantas pessoas, e um silêncio se mantém. Uma amiga negra insinuou qualquer coisa mais ruidosa quando disse, sem muito contextualizar, que os negros se vestiam de branco para as guerras. Por outro lado, há o significado da palavra trégua, atrelado ao branco das bandeiras brancas quando flamulando nos campos de batalha.

Essa carta nada mais tem a dizer. Eu digo: eu não tenho nada mais a dizer por esta carta. A envio na vontade de dotar de mais significado esses acontecimentos comigo e minhas vestes brancas do que o estranho vazio que sinto, que talvez seja um vazio irreparável, de algo que se perdeu, de algo que eu não possa mais contar. Por outro lado, digo que tenho conversado mais sobre a umbanda, que tenho conhecido mais a umbanda, e, ouvindo mais umbandistas, tomei hoje a lição de que se usa o branco nas casas, e de que seus fiéis o usam, para receber de outros, encarnados ou não. Que a assistência se veste de branco para receber como consulente e como quem acolhe, que a parte mais importante no corpo dos médiuns é o ouvido, que a cor branca recebe a cor luz de todos os espectros e a reflete. Isso tem a ver com o que busco aqui. É importante que esse texto seja uma carta, afinal. Só aí há a possibilidade de uma réplica, quiçá de uma conversa. Só aí poderia, ainda que somente nas minhas expectativas, receber vocês.

Por isso, por sua caixa postal aberta, agradeço muito. Mesmo.

Daqui, com amor,

Jandir Jr.

Jandir Jr. <mailexpressivo@gmail.com>                           29 de abril de 2019 15:34

Para: Millena Lízia <millalizia@gmail.com>

Assunto: s/d – Invitation to comment

 

Oi, millena.

Sei que a gente já tá numa relação com a revista, de irmos nos acompanhando para ver seu texto nascer, mas eu quero te mostrar um texto meu e pedir uma opinião crítica.

Eu escrevi ele de pequenos fôlegos, mas sem corrigir, sem voltar atrás no que digitei. Tem um monte de notas de rodapé nele (e usei tua dissertação numa delas); acho que tudo isso junto fala sobre a relação entre idioma, colonialidade e sua subversão. Eu acho, rs.

Pretendo distribuir ele em portas de universidades, impresso no tamanho de um jornal, com letras grandes de manchete (ainda tô vendo como fazer isso).

E, claro, queria te ouvir. Porque você é muito importante na minha tomada de conscientização diária. O texto pode incorrer em problemas, ou mesmo em apontamentos que eu não conheça. Comentários que gostaria que me viessem de você, da sua orientação fundamental pra mim

De qualquer forma, brigado por tudo desde já!

<3,

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Você odeia ler. E ama ao mesmo tempo. Mas que loucura: ler te faz lembrar daquela vez em que te mostraram que… que você não escreve bem. Que você erra. Lembra? Você rasgou o caderno de caligrafia de tanto apagar. Usou por dois anos aquela merda. Agora aí está: ainda se sabe da sua letra feia. É legível agora, mas continuou feia. Você abre e fecha as páginas escritas pelos homens privilegiados. Admira seus estilos, e condena-se. Você quer matar a língua portuguesa. Mas só sabe escrever nela. Você é monoglota1. Você tem raiva. Quer abandonar o como escrever bonito, essa pergunta maldita. Quer deixar de ler os livros, de ler todos os textos, pondo os colonos aos seus pés, esses que estupraram sua bisavó. Mas ainda assim escrever. Porque o seu texto é um espelho possível. Que te mostra os detalhes que cê considerava feios em você: seu uso das vírgulas, o nariz grande, a repetição de expressões, o lábio grosso, a necessidade de escrever num só fluxo de consciência, sem planos prévios, fora a pele escura do seu pai e seu crespo, que há poucas horas você amava, não é mesmo? E aí você vê que o seu texto é feio porque o olho que o lê ainda é o olho do racista. Por isso: fogo nos racista! Matar o padre branco que há em você2 é vontade sua. E pôr uma leitura preta às voltas também. Kemética3, Malê4, pra lembrar também que nem sempre os juruá5 que inscreve os alfabetos6. E o alfabeto dos portugueses são florestas, apesar deles. Não são só brancos que escrevem, pondo seus cimentos nas raízes. A sim. E há você, que até tem essa pele branca, talvez a caixola sem ori7, um caboclo8 que não encosta, mas amor, se até você tem problemas com o texto, até aí o racismo faz suas marcas, lhe fazendo lamentar não ser o que imaginava ser: de uma universalidade neutra branca. Lamento. Mas é questão de pele. Risos. E é mesmo: o texto pode mostrar a pele que você tem quando escreve. O texto tem cor, e todo texto que eriça os pelos da nuca da forma culta é você. Quando falo você digo de: você, sua pele escura, sua falta de fortunas fora de sua terra, suas músicas no spotify9, sua dor aqui, o ônibus que pega lá, lonjão. Todo texto assim é você. Ame, e não pule os parágrafos. Você não precisa disso. As crases? Torce elas a torto e a direito. É certo que seu professor lhe disse: você não sabe usar crase mesmo, não é? E é diferente, professor. Não é questão que você saiba ou não usar. A questão é que você usa. Nesse mundo onde você foi tacitamente desautorizado ao uso da crase, da elipse, de qualquer uso do idioma e de sua erudição, você usa. E por usá-la como quiser, ataca. Você usa como quiser o idioma. Relembra que não são as letras que vivem. É você quem está vivo, reorganizando letras que seriam estáticas, ou melhor, previsíveis sem suas mãos. O texto faísca. Tzz. Mas você não vai por esse assunto de hackear10 o idioma. Isso seria por demais render à norma culta, quando tudo que você tem a dizer é: eu posso usar esse idioma. Não há um uso hackeado, ou desviante, ou contrário, ou informal ao idioma desde aqui, de onde você fala. Você aboliu o centro e, com ele, a periferia idiomática. Você disse ao texto branco: agora somos dois, e eu não sou mais sua lacaia, porra! E Isso emputeceu eles. Você é disléxico. E fizeram você desistir do mestrado. Eles te castigam assim. Você é disléxico. Que absurdo te reprovarem pela redação do seu paper11, não por seu conteúdo. Ele era ótimo. Eles não podem ser juízes da forma escrita. Mas são. Ou: analfabetos são eles. Analfabetos funcionais dizem que é você, mas eles o são. Iletrados em sua própria diversidade alfabética. Petit-nègre12. Você é estrangeira. Evasão do ensino superior13. Você tem rancor do conhecimento. Quem não lê não pode escrever. É o que me vem ao ter esse impulso pela escrita. Pouco leio; porque deveria me expressar por esse meio? Provavelmente errarei, gramaticalmente, ou escolherei construções semânticas de mau gosto. Um deles dizia sobre escrever para ser o enunciador, ao invés do enunciado. O hacker só faz acontecer o que o sistema permite. Talvez seja então hackear o idioma, se for o caso de você ver o uso dormente, que ainda não viram eles nas nossas palavras. Mas voltando ao estrangeirismo. Tá, você chegou por aqui, teve mó dificuldade em aprender o português, vez ou outra se vê falhando em como falar. Se sentiu um idiota um tanto de vezes, enrolou a língua mais uma porrada por viajar daqui e se meter lá em Paris. Você sabe, não é fácil. Ainda mais ser latina em solo outro. Mas… e se fosse um rapto que te fizesse estrangeira? E se fizesse tanto tempo que nem mais você se visse dessa forma? – Você é estrangeiro? Talvez não mais, realmente. Talvez você seja índio e mais14. E talvez, por isso, tudo tenha mudado. Talvez por isso o branco seja menos15. Sua tradição tenha caído. Talvez. —— , veja, esse drama todo que temos com o idioma é um projeto de estado – ainda que um projeto implícito, não percebido -; é um projeto de panóptico, de nos meter a sensação de que estamos sendo vigiadas constantementes, que nossos erros serão cobrados, ridicularizados em público, que devemos – então, por isso – que devemos ser policiais um das outras, que devemos vigiar e punir16. Quem disse que é só pobre preto que passa por isso, ein? Os algozes também sofrem; também eles estão sob a mira: devem se adequar. Apesar de terem introjetado essa merda toda como valor (por serem um tanto beneficiados e partícipes do que constroi a elitização, a estratificação de todos os lados raça-classe-gênero-mulher-e tal), estão sob a mira. pá pum. Devem corrigir os textos. Você errou isso, você erro aquilo, como fulana escreve bem, dizem. Mas você, você mesma, você não fala como um livro17. Não tem caô: você já se posicionou18. E aqui cabe dizer como: Você, diferente deles, assumiu o pretuguês19 e mais. Assumiu as transformações que os seus fizeram na língua; assumiu as transformações que as contraculturas fizeram na língua; assumiu as transformações. Gíria, neologismo, assumiu a diferença. Toda diferença é plena, toda é toda a diferença. Não há unidade20, não há. Aqui se falam com a língua embrazada. Aqui o fogo toca o primeiro palavreado21. O fogo atea sobre qualquer previsibilidade. Os arcaísmos se fazem o novo. As novidades são uma outra tradição. Quer ver: mal sabemos se o que dizemos é português mesmo. Parece que somos influenciadas pelos espanhóis, dizem que em muito pelos ingleses, mas quem não nos garante que seja gerúndio banto, que seja de banto feito o nosso gerúndio22. Lembra das atendentes, de quem disse ao telefone, ‘estaremos verificando, senhor?’? Como você vê suntuosidade em quando fala assim, em como fala assim porque lhe parece como uma rainha falaria? Então… de que rainha você fala, ein? Mesmo sem saber:: Você tem o rei na barriga. Um rei escalando sua laringe, suas cordas vocais, um rei saindo pela boca. Falar como o rei. Abram caminho para ele. Sorrindo23. Ao invés de se curvar, abrir a boca para que daí venha o rei. Falar para que venha. Por isso… é falar como dá. porque é do como dá que ele vem. Não há outro, nada de outra forma, nada de procurar fora, né não? Você investe contra o inglês; ser colonizado de novo não dá24. Você não quer falar inglês, cara. Que saco. Você fala inglês sim. Mas que saibam que nunca será menos que será o que esperam de você; menos, pouco, não. Não será. Será grande, de uma grandiloquência seu estrangeirismo-quase qualquer coisa, será grande sua fala25. Quente. Será. suas palavras são quentes do tanto que investiu em ter elas nas mãos assim como eles. Assim como os seus – de sangue ou de condição – fizeram por aqui. Tomaram o português hirto e o despedaçaram. despedaçaram. Mano, se liga. cabe aqui reconhecer que até seus próprios desvios linguísticos, involuntários em boa parte das vezes, descentrados de sua consciência como autor, subvertem formalmente a estrutura idiomática hegemônica – e, por consequência, qualquer redação acadêmica que você faça. Por isso, se quiser chamar de arte o que escreve, chame de arte. Se quiser chamar de guerra, chame de guerra. É como arte e guerra, estratégias feitas aos flancos, sem manuais, encarnadas no mistério da criação que ergue alguém como você, que a ilusão quer que se leia como sujeito subjetivo quando… olha, tentam tornar a língua una, essa língua aqui como uma coisa só. Mas… olha, Mim conjugará os verbos. Não adiantará rabiscar o que você escreveu26. xô contar procês, Tudo, tudo, tudo vai, tudo é fase irmão / Logo mais vamo arrebentar no mundão27. Você terminou. Finalizou. Sua língua viva está viva. Chicana28. Não importa que seja a língua fronteiriça, de quem se autoriza a falar o inglês e o espanhol do modo como podem, misturando tudo. não. Não tem medo de que te chamem pocho29. Não. Você enfrentará a academia30 em sua insistência em te ver como a outra, aquela que não deveria ter a fala, porque não fala de forma correta, ou porque, simplesmente, não compõem alguma elite31. Porque você nunca deveria ter feito mais do que seu curso técnico de eletrônica e ter trabalhado naquela empresa que te explorava lá. Você não deveria ter feito a universidade, ele disse32. Mas você fez. E você fala de forma correta; incorreto é o mundo. Esse mundo de merda. E sempre há um novo lugar. outro lugar para que você escreva e fale, como uma intelectual33. Qualquer quinhão de terra; todas as estradas de terra, sujando a sola dos seus pés: é ali, onde você cresceu. É ali, onde a bala come, é ali. nos madeirites. Tijolos aparentes. Ali, nas vernissages, nos prêmios, nas viagens internacionais. Ali. Todo o lugar, desde que todo o lugar seja também lugar de todos. Ou que seja incômodo toda a separação, nada menos que isso. de preferência mais. Bombas, molotovs. Pedras…. ideias que ganham vida e criam asas34. Todo artista-pesquisador35 tende ir aonde o povo está36. Lembrando que: muito provavelmente você foi enquadrado também nessa categoria estranha de povo, em que eles cismam de encaixotar todas. Então, simplesmente você vai. Caminhar é preciso37. Ir aonde seja lá quem estiver-esteja é preciso. Seguir: preciso! Que seus avós e avôs tenham netos doutores, que seus pais vistam a camiseta do curso em que vocês ingressaram. Primeira geração, segunda geração na universidade, uni-vos. Antirracistas, …… libras38. Em sua lida com o idioma. a quebra de todos os condicionamentos de perseguição a. O idioma hegemônico também é nosso. Também é seu. Por um plural conjugado com a letra ‘a’39, sem medos, por pessoas que se vejam pessoas quando reunidas sob o ‘a’; que caiam os medos de ser vista como mulher. Ou que caia o ‘o’ e todos os que o representam. Que caiam, / A bíblia e a gramática cairão do céu católico40. huni kuin41 y krenak42. y o manifesto pau-brasil43 pegando fogo. ou sendo plantado de novo. adubo ou -voltem a ser árvore as folhas que suportaram sua escrita-. volte a escrita a seu lugar qualquer, a ser apenas mais uma técnica44. nada mais. volte a tradição ocidental a seu lugar de técnica, nada mais. volte o, volte o, . Volte a vida. O incomensurável que há. Volte toda a complexidade. Volte o intransponível, volte. O mar é enorme, uma barreira imensa. Seus monstros submersos. Seu fim. A terra plana45, o medo de cair da borda. Os terraplanistas buscam novamente o medo de cair das bordas. Por que? para recuarem. Para finalmente recuar. Sentem, desejam, são antenas dos nossos tempos. Saudades do que os manteve atados ao território. Porque assim, as aldeias permaneceriam. permaneceriam um todo mais complexo que o todo uniforme em que você vive. há contudo o medo: dos quilombos, dos aquilombamentos46, do acampamentos terra livre47. Há o medo de suas línguas, de seu idi… há medo de você. dizem – mulher falar? pra quê? o que te esperam é o silêncio, ou o barulho que lhe fará ser catalogada como histérica: a outra face do silêncio que querem que você faça48. Mal sabem das mães pretas49. Mal sabem. Tudo o que se diz aqui, tudo o que vocês dizem, é um telefone sem fio. ………………………………………………… que vocês aprenderam [não foram sozinhos]. Tudo. se fazia silêncio antes disso, sabia? Falar não é qualquer coisa. não poder falar, não ter fala, máscara…50 Havia medo de lhe tirarem a máscara, do que ouviriam. Mal sabiam de mais uma camada: ainda se está recuperando a fala. Saindo da infância, desse nome que diz que não se pode falar, in-fant. saindo da infantilização que tantas, tantas, tantas recebem por abrirem suas vozes. Como quando sentiu vergonha na sala de aula, e preferiu não falar, sabe? então… era in-fant. quando te disseram que você era muito quietinha, saca? um contramovimento para lhe manter calado. Toda a vergonha de falar em público é em algo … medo. O trabalho de ter te mantido calada é um que não é tão distante da infantilização, da culpa que imputaram na classe trabalhadora; no papo todo de que os escravizados não trabalhavam, que os indígenas eram preguiçosos para o trabalho braçal, que o banzo era doençazinha de saudade da terra51. Mano… e agora isso de que o trabalhador não é proativo, que não é maduro (quantas vezes você e seus pais não ouviram isso dos patrões, quantas vezes seus tantos já não escutaram merdas dessas?), que não rende o suficiente. A vigilância sobre o rendimento da classe trabalhadora, de sua força braçal-atitudinal, coincide com a vigilância exarcebada que 1) você faz sob você mesma com relação a se comunicar em público; 2) a vigilância que outras pessoas fazem sobre seu discurso (porra, ele fala mal! nada a ver o que ele disse aí. como ele é burro, como usa mal o idioma… ele não sabe falar!!). É por aí que caminha o que eles nunca poderiam prever que viria de sua voz assim que tiraram as máscaras de você. Julgam burrice, mas mal sabem falar seu nome52: e não notam que você psicografa a fala de muitos que vieram antes de você. Vozes ecoam… na sua voz53. Não é atoa que isso tudo reacaia logo sobre você, oriunda de uma família de trabalhadores, de uma favela, da Recai sobre você porque sempre foram os seus que foram controlados, que tiveram seus corpos controlados, que foram açoitados, algemados, empurrados, encarceirados, desempregados… desempregados. É claro que recairia sobre você. O complexo alcança todas as pessoas envolvidas: quem persegue se vê na tarefa intuída, quase irracionalmente, de desqualificar você (mal sabe que é a vontade que responde, em extensão, ao ato que seus antepassados fizeram aos seus); e alcança até você mesmo, suscetível a desqualificação que virá destes. Você está frágilizado. Você aceita o complexo de inferioridade. Você tem lutado contra, mas como é difícil! Você sabe: o que você ouve de ruim contra você mesmo não corresponde a realidade… não é possível. Mas porque te afeta tanto? Porque você quase acredita,… porque.. porque, por que, porquê, por quê54: de novo o uso do português. E será que você as vezes não entende, ou cansa, ou pesa os olhos quando lê porque esse é o plano? porque querem que você não leia55, porquê o idioma foi feito para fora de você? Será que ler os textos da faculdade é tão difícil assim por causa disso? Será que é isso que concorre para o risco de que você, cada vez mais, se veja distante da forma como os seus vizinhos falam, os seus amigos falam… sua família diz que você ganhou um sotaque. Seu modo de narrar vem com trejeitos estranhos a eles56. E você mal lembra como falar de um novo jeito, mais simples… parece que você mudou. OU parece que você corre o risco de mudar. ou de envergar frente aos textos herméticos da academia. aos textos cheios de complicação. Textos assim fazem você escrever algo como esse que você lê e escreve agora. Algo complicado, mas que testemunha sua simplicidade. Não. Que testemunha sua vontade de reaproximação com o modo que os seus falam. O idioma não é um só. De certa forma, você experimenta algum estrangeirismo. De lá: ao nunca se identificar com essas pessoas que você conheceu da porta pra cá da academia. De cá: já não é o mesmo. Poderia ser chamado de playboy. Mesmo que não faça sentido, faz algum sentido na cabeça de quem te vê, e mal sabe de onde você veio. Sua língua já não testemunha por você. Como mudar?…. Não. você não se preocupa com isso. porque você também não é. Não há como negar, não há a menor possibilidade de você escrever como eles querem, aqui, nessa faculdade57. Não. Não há como esquecer que as suas escreveram desde sempre, e o saber da língua não é privilégio, porque não poderia ser. Não. Não há como represar algo assim. O português, malgrado esse nome, já não cabe aos colonizadores. Não. é fragmentado. Podemos falar em linguáS, com ‘s’ maiúsculo no final (que fique entendível para quem ouvir esse texto, ao invés de lê-lo). Aliás, é preciso saber: há quem ouvirá, ao invés de ler seus textos. Há de se pensar nisso. Você ouvirá o texto, você quer que a equidade, ou mesmo a destruição lance gênero-sexual, seja você, passe por você quando se tratar da linguagem. É preciso, você diz, é preciso mais que isso58. Você reivindica a escola que ensinará a sua língua, forjada com o aço dessa matéria que os portugueses, até então… eles ainda não sabiam os usos que isso aqui ia tomar, rs. Há de vir essa escola que ensinará59. ensinar o que já sabemos? apesar que isso, né? você precisa de escola? Sim, se você leva em consideração que é o pobre quem deve ler60. Porque daí virá que eu vi61.Sempre soube: o mundo todo nas mãos calejadas de quem o ergueu. nesse caso: o mundo todo nas línguas até então silenciosas de quem o ergueu. Por isso, você, que agora aí se encontra frente ao texto, lendo, ou melhor, prestes a escrevê-lo, lembra: A batalha do escritor contra seu escrito, burilando a peça literária com sofrimento, dia após dia, nada mais é que uma batalha racial e classista, capacitista e masculinista, uma batalha em que a escritora mantém-se lutando contra si mesma, lutando o uso coloquial que ela mesma tem do idioma versus o uso cheio de arcaísmos, cheio de pompas, o do que chamam de norma culta, que nada mais é que o primeiro homem branco que se preocupou com os pontos e vírgulas que iria pontuar em sua carta endereçada novamente ao seu berço português. Carta sem usos feminizados, universalista como um homem deve ser, sem distrações emotivas62. Um uso do idioma que massageie o ego dos que leem camões63. Por isso, lembremos que já não somos, já não somas. extirpar do português hegemônico seu lugar de centralidade em nossa própria língua de carne, babada e sem aftas, é fundamental para que… para que falemos. Você fala! Para de se preocupar com esse texto, porra! 🙂 e no mais Você e as suas, e as suas escrevivências64. ter mais que a força de suportar uma civilização65. Criar uma. Que seja essa. Nem precisa importar de fora do país66. Já se está fora de qualquer país. O brasil é um todo sem centro. O Brasil é oco. O Brasil é meu abismo67. Ainda assim, você redige. Mesmo sem saber como começar ou terminar68. ler é sacrificante, mas escrever… e falar: simplesmente tem sido. Tem sido. Seguindo.. ..


 

 

1“[…] todo o nosso código, toda a nossa sintaxe, toda a nossa expressão é construída com esse idioma que nos uniu pela escravidão, que é o português. Eu tenho que subverter essa língua o tempo todo porque não falo nenhuma das línguas africanas, e falo muito mal o inglês e o espanhol, que também são línguas de dominadores. As circunstâncias exigem que eu seja um monoglota em português, então eu mexo, e bulo com esse português ao extremo possível.” (SEMOG, Elé. Na literatura negra, a vida é só um poema de luta. In O que nos a bala. Disponível em <https://www.oquenosabala.com/literatura-negra.html> último acesso em 17/03/2019.)

2“Esta língua tupi, que os jesuítas aprenderam e ajudaram a disseminar, era uma dentre as inúmeras línguas faladas por diferentes grupos indígenas existentes no Brasil à época da descoberta, que foi por eles escolhida para ser “domesticada”, literalizada e ensinada. Por outro lado, levantavam uma barreira à desintegração da herança cultural, defendiam o português contra as influências negras ou indígenas, que “ameaçavam a um tempo a língua pátria, a autoridade da Igreja, a moral e os costumes”. […] Muito embora “mães negras e mucamas, escreve Gilberto Freire, aliadas aos meninos, às meninas, às moças brancas das casas-grandes, criaram um português diverso do hirto e gramatical que os jesuítas tentaram ensinar aos meninos índios e semibrancos, alunos de seus colégios; do português reinol que os padres tiveram o sonho vão de conservar no Brasil”. […] [Mas] Esta obra de assimilação e uniformização – agindo em duas frentes: na da língua materna tupi e na da língua portuguesa oficial – não foi sem conseqüência para a vida nacional, como reconhece o próprio autor, “superimpondo à naturalidade das diferentes línguas regionais uma só – a geral; acabando com os costumes das populações aborígenes ao seu alcance e levando os meninos índios a abominar os usos de seus progenitores”.” (SILVA, Mariza Vieira da. História da alfabetização no Brasil: a constituição de sentidos e do sujeito da escolarização. 1998. 267f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas. São Paulo. 1998. Disponível em <http://www.ucb.br/sites/100/165/TeseseDissertacoes/HistoriadaalfabetizacaonoBrasil.pdf> último acesso em 08/04/2019. p. 89. Trecho entre colchetes por mim.)

3“O termo Kemet refere-se ao nome do antigo Egito […] local de produção dos primeiros textos de filosofia africana” (PONTES, Katiúscia Ribeiro. Kemet, escolas e arcádeas: a importância da filosofia africana no combate ao racismo epistêmico e a lei 10639/03. 93f. Dissertação (Mestrado em Filosofia e Ensino) – Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca. Rio de Janeiro. 2017.Excerto da primeira nota de rodapé de sua dissertação.)

4“Chegando a Salvador, esses negros, em geral islamizados, portadores em geral de um grau considerável de escolaridade e consciência política, com visão e experiência militar, com maior capacidade de organização e conhecendo técnicas mais novas de fabricação e uso de armas, provavelmente transmitiam aos outros negros, juntamente com as informações sobre o que se passava na África, o germe da revolta e da insubmissão.” (LOPES, Nei. Bantos, malês e identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 71.)

5“jurua: s. Não-índio, alienígena.” (DOOLEY, Robert A.; FLORENTINO, Nelson; VERÍSSIMO, Arlindo Tupã; VERÍSSIMO, Sebastião Poty et al. Léxico guarani, dialeto mbyá. Curitiba: Sociedade Inter-nacional de Lingüística, 1998. Disponível em <http://www.geocities.ws/indiosbr_nicolai/dooley/gndc.html> último acesso em 17/03/2019.)

6“Eu não tenho velhos livros como eles, nos quais estão desenhadas as histórias dos meus antepassados. As palavras dos xapiri estão gravadas no meu pensamento, no mais fundo de mim. São as palavras de Omama. São muito antigas, mas os xamãs as renovam o tempo todo. Desde sempre, elas vêm protegendo a floresta e seus habitantes. Agora é minha vez de possuí-las. Mais tarde, elas entrarão na mente de meus filhos e genros, e depois, na dos filhos e genros deles. Então será a vez deles de fazê-las novas. Isso vai continuar pelos tempos afora, para sempre. Dessa forma, elas jamais desaparecerão. Ficarão sempre no nosso pensamento, mesmo que os brancos joguem fora as peles de papel deste livro em que elas estão agora desenhadas; mesmo que os missionários, que nós chamamos de “gente de Teosi”, não parem de dizer que são mentiras. Não poderão ser destruídas pela água ou pelo fogo. Não envelhecerão como as que ficam coladas em peles de imagens tiradas de árvores mortas. Muito tempo depois de eu já ter deixado de existir, elas continuarão tão novas e fortes como agora. São essas palavras que pedi para você fixar nesse papel, para dá-las aos brancos que quiserem conhecer seu desenho. Quem sabe assim eles finalmente darão ouvidos ao que dizem os habitantes da floresta, e começarão a pensar com mais retidão a seu respeito?” (KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A Queda do Céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras. 2015. p. 65-66.)

7“Orí é usado para se referenciar a 2 coisas principais. A primeira é a nossa cabeça. Cabeça é Orí. Os yòrubá entendem que a cabeça é uma parte importante do corpo e nela reside aspectos marcantes de nossa vida. Nossa consciência está na nossa cabeça bem como os componentes adicionais e auxiliares também estão. A cabeça é o repositório de nossa Axé (aṣẹ́), da ligação com nosso orixá (Òrìṣà) e da ligação com o nosso passado e ancestralidade.” (ARINO, Babalaô Marcos. Ori o guardião do nosso destino – Orientações e explicações de como entender, se equilibrar e viver melhor através de Orí. In Revista Olorun. n. 45. Dezembro 2016. Disponível em <https://revistaolorun.files.wordpress.com/2018/10/revista-olorun-45.pdf> último acesso em 04/04/2019. p. 8.)

8Cf. Umbanda.

9Spotify [2008-] é um serviço de streaming de música, podcast e vídeo. Disponível em <https://www.spotify.com/br/> último acesso em 17/03/2019.

10“[Há] um monte de definições do termo “hacker”, a maioria deles tendo a ver com aptidão técnica e um prazer em resolver problemas e superar limites. […] [Mas a] mentalidade hacker não é confinada a esta cultura do hacker-de-software. Há pessoas que aplicam a atitude hacker em outras coisas, como eletrônica ou música — na verdade, você pode encontrá-la nos níveis mais altos de qualquer ciência ou arte. Hackers de software reconhecem esses espíritos aparentados de outros lugares e podem chamá-los de “hackers” também — e alguns alegam que a natureza hacker é realmente independente da mídia particular em que o hacker trabalha.” (RAYMOND, Eric Steven. Como se tornar um Hacker. In Rede Linux IME USP. 05/06/1998. Disponível em <https://linux.ime.usp.br/~rcaetano/docs/hacker-howto-pt.html> último acesso em 10/04/2019. Trechos entre colchetes por mim.)

11Termo em inglês usualmente utilizado em meios universitários para nomear trabalhos acadêmicos realizados em texto.

12“Petit-nègre, literalmente preto-pequeno ou pretinho, é a expressão utilizada para designar uma língua híbrida, um patoá sumário criado no mundo colonial francês, mistura da língua francesa com várias línguas africanas. O termo patoá (patois) designa os diversos dialetos regionais da França metropolitana.” (FANON, Franz. O negro e a linguagem. In Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA. 2008. p. 35. Nota do tradutor Renato da Silveira) “Minha mãe querendo um filho memorandum / se sua lição de história não está bem sabida / você não irá à missa de domingo / com sua domingueira / esse menino será a vergonha do nosso nome / esse menino será nosso Deus-nos-acuda / cale a boca, já lhe disse que você tem de falar francês / o francês da França / o francês do francês / o francês francês.” (DAMAS, Léon-Gontran. Hoquet. In Pigments. Paris: G.L.M. 1937. apud FANON, Franz. O negro e a linguagem. In Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA. 2008. p. 36.)

13“Sou originário do Gabão, país de língua oficial francesa. Fui criado num ambiente onde se falava mais de uma língua: as línguas bantas do Gabão e o francês. […] Quanto à minha experiência na aprendizagem do português brasileiro, ela começou no Gabão quando soube que tinha obtido uma bolsa de estudo do governo gabonês para estudar Administração no Brasil. […] Na FEA [Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo], fui confrontado com outra realidade: era o único aluno negro da turma, mal falava o português. Fui vítima de piadas até de um professor. Não era convidado a integrar nenhuma panelinha pelos colegas, burgueses na sua maioria. Lá, aprendi a me enxergar como uma cor, a cor do pobre e de tudo que tem de negativo visto pela burguesia ocidental em geral. Logo percebi que estava no lugar errado. Essas foram as razões que me fizeram pedir a mudança de curso ao Ministério da Educação (o MEC) em Brasília.” (OKOUDOWA, Bruno. Experiência de aprendizagem da língua portuguesa no brasil. In Anais do I Simpósio Mundial de Estudos de Língua Portuguesa. Simpósio 13 – Experiências de aprendizado do português no brasil e fora do brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo. 2008. Disponível em <http://simelp.fflch.usp.br/sites/simelp.fflch.usp.br/files/inline-files/S1301.pdf> último acesso em 23/04/2019. p.1-6. Trecho entre colchetes por mim.)

14“Como uma cultura, nos chamamos espanhóis, quando nos referimos a nós mesmos como um grupo linguístico e quando nos intimidamos. É então que esquecemos nossos genes indígenas predominantes. Nós somos 70% ou 80% indígenas.” (ANZALDUÁ, Gloria. Como domar uma língua selvagem. In Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Difusão da língua portuguesa. n. 39. Niterói: Universidade Federal Fluminense. 2009. p. 315.)

15“escrebo palablas en espanol americano — [me parece chistoso que se diga espanol latino _un pleonasmo_ ya que esta lengua hablada donde sea tiene su origen latina ahi donde se empiezo el império romano; lo mejor me parece seria dicer espanol azteca, espanol maya, espanol kuna, espanol inca aimará, espanol guarani y por ahi seguimos… parece que los latinos ahora somos nosotros, ya no son los espanoles, portugueses, franceses, italianos romanos-los. __ latinos haora somos nosotros, los indígenas y negros de américa al sur de los estados unidos]—pienso estas palablas entre las olas desde la isla de cuba castrista hasta el belize britânico passando por guatemala maya y mexico azteca. __serian latinos tambien los nacidos en belize y los tantos puntos de habla anglofona en caribe y suriname?

–me emociona el guarani oficial, habado en paraguay tan cerquita de casa, que “contamina” el latin de espana— deseo un guarani oficial en mi pais y otras muchas hablas indígenas en los documentos oficiales de américa…_deseo tambien lo que hay de banto, mina, benguela, arabi, male, yoruba y toda suerte de lenguas africanas que se transladaron a américa_ deso que la légua de nuestra gente dé vueltas y revueltas a reaprender la lengua de nuestros ancestros.

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do brasil chego ao méxico com passagem panamenha_ ahi no aeroporto benito juarez [ primeiro presidente indigena do méxico pos espano-colonia]ha uma fila separada para os que vem de sudamerica, o único menos branco que vejo na revista eh EU nas maos de uma policia com pele índigena que extranha o meu falar espano-americano.pra ela quiza seja EU de cuba ou afro-colombia.” (NAZARETH, Paulo. Panfleto em papel jornal, de dimensões de 14.8 X 21 cm., feito pelo artista visual. O adquiri em distribuição gratuita na exposição Arte, Democracia Utopia – Quem não luta tá morto, realizada no Museu de Arte do Rio entre 14 de setembro de 2018 e 31 de março de 2019.)

16Cf. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes. 1987.

17“Em um grupo de jovens antilhanos, aquele que se exprime bem, que possui o domínio da língua, é muito temido; é preciso tomar cuidado com ele, é um quase-branco. Na França se diz: falar como um livro. Na Martinica: falar como um branco.” (FANON, Franz. O negro e a linguagem. In Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA. 2008. p. 36.)

18“Todo povo colonizado — isto é, todo povo no seio do qual nasceu um complexo de inferioridade devido ao sepultamento de sua originalidade cultural — toma posição diante da linguagem da nação civilizadora, isto é, da cultura metropolitana.” (FANON, Franz. O negro e a linguagem. In Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA. 2008. p. 34.)

19“É engraçado como eles gozam a gente quando a gente diz que é Framengo. Chamam a gente de ignorante dizendo que a gente fala errado. E de repente ignoram que a presença desse r no lugar do l, nada mais é que a marca linguística de um idioma africano, no qual o l inexiste. Afinal, quem que é o ignorante? Ao mesmo tempo, acham o maior barato a fala dita brasileira, que corta os erres dos infinitivos verbais, que condensa você em cê, o está em tá e por aí afora. Não sacam que tão falando pretuguês.”(GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In Revista Ciências Sociais Hoje. São Paulo: Anpocs. 1984. p. 238.)

20“A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. […] A imagem de uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da linguagem, subjacente às prescrições normativas da gramática escolar, dos manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre “o que se deve e o que não se deve falar e escrever”, não se sustenta na análise empírica dos usos da língua.” (Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: Língua portuguesa / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF. 1998. p. 29. apud BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. São Paulo: Edições Loyola. 2007. p. 18.)

21“Somos seu pesadelo linguístico, sua aberração linguística, sua mestizaje linguística, o sujeito da sua burla. Porque falamos com línguas de fogo nós somos culturalmente crucificados. Racialmente, culturalmente e linguisticamente somos huérfanos – nós falamos uma língua órfã.” (ANZALDUÁ, Gloria. Como domar uma língua selvagem. In Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Difusão da língua portuguesa. n. 39. Niterói: Universidade Federal Fluminense. 2009. p. 310.)

22“Bom, e têm aquel_s que acreditam que a profusão do uso do gerúndio no Brasil se dá por uma influência da língua inglesa, mas se a gente se depara com palavras bantas adotadas em nossas falas – como marimbondo, tanga, quitanda, bunda, ginga, xinga, capanga, samba, umbanda, dengo, e tantas outras – a gente pode é tomar uma via de aposta de intuir que é de uma perspectiva ao sul por onde se manifestam nossos caminhando(s) e por onde se produz nossos inventos, ainda que a gente nem se dê conta, pois nem todo segredo nos é revelado, apesar de tá tendo.” (LÍZIA, Millena. FAÇO FAXINA: bases contraontológicas para um começo de conversa sobre uma experiência epidérmica imunda. 2018. Dissertação (Mestrado em Estudos dos Processos Artísticos) – Programa de Pós-Graduação em Estudos Contemporâneos das Artes. Universidade Federal Fluminense. Niterói. 2018. p. 158.)

23“Abram caminho para o rei / Sorriam em vez de se curvar” (METÁ METÁ. Obá Iná. In Metá Metá. São Paulo: Desmonta . 2011. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=zODbiRuHpsQ> último acesso em 23/04/2019.)

24“Perto do fim deste século, o inglês, e não o espanhol, será a língua materna da maioria dos chicanos e latinos.” (ANZALDUÁ, Gloria. Como domar uma língua selvagem. In Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Difusão da língua portuguesa. n. 39. Niterói: Universidade Federal Fluminense. 2009. p. 311.) “Abdias [Nascimento [1914-2011], um poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos das populações negras], apesar de morar fora há alguns anos, não falava inglês com fluência, afirmando que ceder ao idioma estrangeiro seria como ser colonizado duas vezes.” (ITAÚ CULTURAL. Exílio. In Ocupação Abdias Nascimento. São Paulo: Itaú Cultural. 2016. Disponível em <http://www.itaucultural.org.br/ocupacao/abdias-nascimento/exilio/> último acesso em 22/04/2019. Trecho entre colchetes por mim.)

25“Historicamente é preciso compreender que o negro quer falar o francês porque é a chave susceptível de abrir as portas que, há apenas cinqüenta anos, ainda lhes eram interditadas. Encontramos nos antilhanos que se enquadram na nossa descrição uma procura de sutilezas, de raridades de linguagem — outros tantos meios de provar a eles próprios que se ajustam à cultura dominante. Já foi dito que os oradores antilhanos têm um poder de expressão que deixaria os europeus boquiabertos. Vem-me à mente um fato significativo: em 1945, na época das campanhas eleitorais, o poeta Aimé Césaire, candidato a deputado, falava na escola para rapazes de Fort-de-France diante de um auditório numeroso. No meio da conferência, uma mulher desmaiou. No dia seguinte, um amigo, relatando o acontecido, comentava-o da seguinte maneira: “Français a té tellemente chaud que la femme là tombé malcadi” [“O francês (a elegância da forma) era tão quente que a mulher entrou em transe”].” (FANON, Franz. O negro e a linguagem. In Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA. 2008. p. 50. Trecho entre colchetes com a tradução de Renato da Silveira.)

26““Michelle, me responda, por favor. Qual a palavra certa que você tinha que colocar no lugar de ‘mim’?” Eu, com toda a minha sinceridade, respondi: “Desculpa minha ignorância, minha formação, mas não sei te responder”. Ele, já nervoso, achando que eu estava tirando sarro, pegou a caneta e começou a escrever, com força, em cima. “O certo é ‘EU’, ‘EU’, ‘EU’, ‘EU’. Não é ‘mim’. Aprenda isso e nunca mais cometa o mesmo erro”.” (MURTA, Michelle Andréa. Eu, eu mesma e o português: experiência dos meus (des)encontros com a língua portuguesa. In Revista X. v. 13. n. 1. Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2018. p. 257.)

27RACIONAIS MC’S. Vida Loka II. In Nada Como um Dia Após o Outro Dia. v. 2. São Paulo: Cosa Nostra. 2002. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Ef6dPbX8NuE> último acesso em 25/04/2019.

28“O espanhol chicano é considerado deficiente pelos puristas e, pela maioria dos latinos, uma mutilação do espanhol. Mas o espanhol chicano é uma língua fronteiriça que se desenvolveu naturalmente. […] O espanhol chicano não é incorreto, é uma língua viva.” (ANZALDUÁ, Gloria. Como domar uma língua selvagem. In Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Difusão da língua portuguesa. n. 39. Niterói: Universidade Federal Fluminense. 2009. p. 307.)

29“Pocho: forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas e/ou criadas nos E.U.A; literalmente, fruta podre.” (ANZALDUÁ, Gloria. Como domar uma língua selvagem. In Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Difusão da língua portuguesa. n. 39. Niterói: Universidade Federal Fluminense. 2009. p. 317. Nota das tradutoras.) “O pocho é um mexicano anglicizado ou um americano de origem mexicana que fala espanhol com um sotaque característico dos norte-americanos e que distorce e reconstrói a língua de acordo com a influência do inglês.” (ANZALDUÁ, Gloria. Como domar uma língua selvagem. In Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Difusão da língua portuguesa. n. 39. Niterói: Universidade Federal Fluminense. 2009. p. 309.)

30“Os professores afirmavam que eu devia ter fluência no português, pois eu receberia o diploma de mestre em língua portuguesa, e eu insistia: “Eu não quero língua portuguesa, não vou dar aula de língua portuguesa. Quero apenas me especializar em linguística, e meu foco é a língua de sinais”. Foi uma situação muito chata, me senti muito magoada. Por não ter tanta fluência no português, não atendi às exigências e perdi a bolsa da Capes no segundo ano. Acreditem: eu pago por ela até hoje. Tenho certeza de que, se eu fosse fera no português, não teria perdido, mas enfim… Foi mais um desencontro com o português, mais um assombramento, mais uma luta.” (MURTA, Michelle Andréa. Eu, eu mesma e o português: experiência dos meus (des)encontros com a língua portuguesa. In Revista X. v. 13. n. 1. Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2018. p. 258.)

31““As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual, que não é a mesma elite econômica [do país]”, declarou Rodríguez.” (CARTA EDUCAÇÃO. “As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual”, diz ministro da educação. In Carta Educação – Carta Capital. São Paulo: Editora Confiança. 28 de janeiro de 2019. Disponível em <http://www.cartaeducacao.com.br/reportagens/as-universidades-devem-ficar-reservadas-para-uma-elite-intelectual-diz-ministro-da-educacao/> último acesso em 22/04/2019.)

32““A ideia de universidade para todos não existe”. A declaração do Ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, dada ao Valor e divulgada na segunda-feira 28 [01/2019], foi utilizada para justificar a manutenção do ensino técnico como um dos principais pilares da Reforma do Ensino Médio, aprovada por Medida Provisória no ano passado, no governo Temer.” (CARTA EDUCAÇÃO. “As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual”, diz ministro da educação. In Carta Educação – Carta Capital. São Paulo: Editora Confiança. 28 de janeiro de 2019. Disponível em <http://www.cartaeducacao.com.br/reportagens/as-universidades-devem-ficar-reservadas-para-uma-elite-intelectual-diz-ministro-da-educacao/> último acesso em 22/04/2019.)

33“O trabalho intelectual só nos aliena de comunidades negras quando não relacionamos ou dividimos nossas preocupações por miríades de interesses. Essa divisão tem de transcender a palavra escrita, já que tantos companheiros negros mal são alfabetizados ou são analfabetos. Falando em igrejas e lares, de maneiras formais e informais podemos compartilhar o trabalho que fazemos. Reconhecendo que a recompensa, a compreensão e o reconhecimento vêm, podem vir e nos virão de lugares não convencionais, e valorizando essas fontes de afirmação, os intelectuais negros chamam a atenção para um contra-sistema hegemônico de legitimação e valorização que, em conjunção com a obra que fazemos em instituições ou como uma alternativa a ela, pode legitimar e apoiar nosso trabalho.” (HOOKS, bell. Intelectuais negras. In Estudos Feministas. Florianópolis: UFSC. v. 3. n. 2. 1995. p. 476.)

34“Pedras são sonhos na mão, voam na imensidão / Ideias que ganham vida e criam asas.” (EL EFECTO. Pedras e Sonhos. In Pedras e Sonhos. Rio de Janeiro: [produção independente]. 2012. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=EKPceNEVBLo> último acesso em 25/04/2019.)

35“Não há como escapar desta máxima: dentro da universidade, o trabalho de arte se transforma em pesquisa e o artista em pesquisador. Escreve-se “artista-pesquisador”, portanto, e temos aí um outro personagem, com suas peculiaridades” (BASBAUM, Ricardo. O artista como pesquisador. In Manual do Artista-etc. Rio de Janeiro: Beco do Azougue. 2013. p. 194.)

36Cf. NASCIMENTO, Milton. Nos bailes da vida. In Caçador de mim. São Paulo: Ariola. 1981. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=djapqytpvuw> último acesso em 25/04/2019.

37 “Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: / “Navegar é preciso; viver não é preciso”.” (PESSOA, Fernando. Navegar é Preciso. In Jornal de poesia. Disponível em <http://jornaldepoesia.jor.br/fpesso05.html> último acesso em 25/04/2019.)

38“[…] em 1880 aconteceu na Itália o conhecido Congresso de Milão, que reuniu representantes de inúmeros países, profissionais da área, ouvintes, que com a maioria dos votos decidiram sobre a proibição do uso das línguas de sinais e, nesse sentido, traçaram uma vida de prejuízos graves para muitas gerações de surdos no Brasil e fora do país.” (RAMOS, Bruno. O Uso de Transferências em Narrativas Produzidas em Língua Brasileira de Sinais. 141 p. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) –  Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2017. p. 22.) “[…] a própria Constituição Federal de 1988 ignorou completamente a Libras, que foi reconhecida pelo Estado como uma língua da comunidade surda brasileira somente em 2002, com a publicação da lei 10.436.” (MURTA, Michelle Andréa. Eu, eu mesma e o português: experiência dos meus (des)encontros com a língua portuguesa. In Revista X. v. 13. n. 1. Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2018. p. 255.) “[…] Esse longo período de sofrimento e desinformação, em que os surdos eram subordinados à vontade dos ouvintes e subjugados à soberania ouvintista, gera discussões e polêmicas que perduram até os dias atuais. Discussões que permeiam uma luta evidente da comunidade surda que se fortaleceu ao longo dos anos.” (RAMOS, Bruno. O Uso de Transferências em Narrativas Produzidas em Língua Brasileira de Sinais. 141 p. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) –  Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2017. p. 23.)

39“Somos privadas do nosso feminino pelo plural masculino. A linguagem é um discurso masculino.” (ANZALDUÁ, Gloria. Como domar uma língua selvagem. In Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Difusão da língua portuguesa. n. 39. Niterói: Universidade Federal Fluminense. 2009. p. 306.)

40“[No Brasil colônia se] engendra por sua vez uma nova sociedade, a dos mestiços, cuja principal característica é o fato de que a noção de unidade sofre reviravolta, é contaminada em favor de uma mistura sutil e complexa […] [E nesse] novo e infatigável movimento de oposição – de mancha racial, de sabotagem dos valores culturais e sociais impostos pelos conquistadores -, uma transformação maior se opera na superfície, mas que afeta definitivamente a correção dos dois sistemas principais que contribuíram para a propagação da cultura ocidental entre nós: o código linguístico e o código religioso. Esses códigos perdem seu estatuto de pureza e pouco a pouco se deixam enriquecer por novas aquisições, por miúdas metamorfoses, por estranhas corrupções, que transformam a integridade do Livro Santo e do Dicionário e da Gramática europeus.” (SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos – ensaios sobre dependência cultural. Rio de Janeiro: Rocco. 2000. p. 15-16. Trechos entre colchetes por mim.)

41Huni Kuin é a autodenominação de uma etnia indígena também nomeada por Kaxinawá.

42Krenak ou Borun denomina uma etnia indígena.

43Cf. ANDRADE, Oswald de. Manifesto da Poesia Pau-Brasil. In Do Pau-Brasil à Antropofagia e às Utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1972. p. 4-10.

44“Para mim e para meu povo [os Krenak], ler e escrever é uma técnica, da mesma maneira que alguém pode aprender a dirigir um carro ou a operar uma máquina. Então a gente opera essas coisas, mas nós damos a ela a exata dimensão que têm. Escrever e ler para mim não é uma virtude maior do que andar, nadar, subir em árvores, correr, caçar, fazer um balaio, um arco, uma flecha ou uma canoa”. (KRENAK, Ailton; COHN, Sergio (org). Encontros | Ailton Krenak. Rio de Janeiro: Azougue. 2015. p. 85. Trecho entre colchetes por mim.)

45Cf. BEHIND The Curve. Direção: Daniel J. Clark. [s.l.]: Netflix. 2019. Disponível em <https://www.netflix.com/br/> último acesso em 28/04/2019. 96 minutos.

46 “Só um meio havia eficaz e efetivo para verdadeiramente se reduzirem, que era concedendo-lhe Sua Majestade e todos seus senhores espontânea, liberal e segura liberdade, vivendo naqueles sítios como os outros índios e gentios livres, e que então os padres fossem seus párocos e os doutrinassem como aos demais. Porém essa mesma liberdade assim considerada seria a total destruição do Brasil, porque conhecendo os demais negros que por este meio tinham conseguido o ficar livres, cada cidade, cada vila, cada lugar, cada engenho, seriam logo outros tantos Palmares, fugindo e passando-se aos matos com todo o seu cabedal, que não é outro mais que o próprio corpo.” (Padre Antonio Vieira ao Rei de Portugal, 2 de julho de 1691. In A DESTRUIÇÃO DE ANGOLA JANGA (DOCUMENTOS PALMARES, 1671 a 1700). Salvador: P555 Edições. 2006. apud D’SALETE, Marcelo. Angola Janga: uma história de Palmares. São Paulo: Veneta. 2017. p. 278.)

47Cf. MARQUES, Marília. Indígenas fecham parte da Esplanada dos Ministérios em protesto do Acampamento Terra Livre. In G1 – DF. 26 de abril de 2019. Disponível em <https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2019/04/26/indigenas-fecham-parte-da-esplanada-dos-ministerios-em-protesto-do-acampamento-terra-livre.ghtml> último acesso em 27/04/2019.

48“Bocuda, respondona, fofoqueira, bocagrande, questionadora, leva-e-traz são todos signos para quem é malcriada. Na minha cultura, todas essas palavras são depreciativas se aplicadas a mulheres – eu nunca as ouvi aplicadas a homens.” (ANZALDUÁ, Gloria. Como domar uma língua selvagem. In Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Difusão da língua portuguesa. n. 39. Niterói: Universidade Federal Fluminense. 2009. p. 306.)

49“A cultura brasileira é uma cultura negra por excelência, até o português que falamos aqui é diferente do português de Portugal. Nosso português não é português é “pretuguês”. Se a gente levar em consideração, por exemplo, a atuação da mulher negra, a chamada “mãe preta”, que o branco quer adotar como exemplo do negro integrado, que aceitou a democracia etc. e tal, ela, na realidade, tem um papel importantíssimo como sujeito, suposto saber nas bases mesmo da formação da cultura brasileira, na medida em que ela passa, ao aleitar as crianças brancas e ao falar o seu português (com todo um acento de Kinbundo, de Ambundo, enfim, das línguas africanas), é ela que vai passar pro brasileiro, de um modo geral, esse tipo de pronúncia, um modo de ser, de sentir e de pensar.” (GONZALEZ, Lélia. Lélia fala de Lélia. In Estudos Feministas. Florianópolis: UFSC. v. 2. n. 2. 1994. p. 384-385.)

50“[A] máscara foi uma peça muito concreta, um instrumento real que se tornou parte do projeto colonial europeu por mais de trezentos anos. Ela era composta por um pedaço de metal colocado no interior da boca do sujeito Negro, instalado entre a língua e a mandíbula e fixado por detrás da cabeça por duas cordas, uma em torno do queixo e a outra em torno do nariz e da testa. Oficialmente, a máscara era usada pelos senhores brancos para evitar que africanos/as escravizados/as comessem cana-de-açúcar ou cacau enquanto trabalhavam nas plantações, mas sua principal função era implementar um senso de mudez e de medo, visto que a boca era um lugar tanto de mudez quanto de tortura. […] A máscara, portanto, levanta muitas questões: por que deve a boca do sujeito Negro ser amarrada? Por que ela ou ele tem que ficar calado(a)? O que poderia o sujeito Negro dizer se ela ou ele não tivesse sua boca selada? E o que o sujeito branco teria que ouvir? Existe um medo apreensivo de que, se o(a) colonizado(a) falar, o(a) colonizador(a) terá que ouvir e seria forçado(a) a entrar em uma confrontação desconfortável com as verdades do ‘Outro’. Verdades que têm sido negadas, reprimidas e mantidas guardadas, como segredos.” (KILOMBA, Grada [tradução: DE JESUS, Jessica Oliveira]. A Máscara. In Cadernos De Literatura Em Tradução. n. 16. São Paulo: FFLCH/USP. 2016. Disponível em <http://www.revistas.usp.br/clt/article/view/115286> último acesso em 09/04/2019. p. 172-177. Trecho entre colchetes por mim.) “O que é que vocês esperavam quando tiraram a mordaça que fechava essas bocas negras? Que elas entoassem hinos de louvação? Que as cabeças que nossos pais curvaram até o chão pela força, quando se erguessem, revelassem adoração nos olhos?” (SARTRE, Jean-Paul. Orphée noir. prefácio à Anthologie de la poésie nègre et malgache de langue française. Paris: PUF. 1948. apud FANON, Franz. O negro e a linguagem. In Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA. 2008. p. 43.)

51“Aprendemos com os historiadores que os negros importados da África traziam consigo, muitas vezes, a vocação para a tristeza. A partir da viagem até a chegada às nossas costas, apresentavam estados de definhamento, ficavam parados, e a própria expressão Banzo, suposta de procedência angolana, reflete seguramente uma nostalgia, uma saudade da terra.” (DALGALARRONDO, Paulo; SANTOS, Silvia Maria Azevedo dos; ODA, Ana Maria Raimundo. A psiquiatria transcultural no Brasil: Rubim de Pinho e as “psicoses” da cultura nacional. In Revista Brasileira de Psiquiatria. v. 25. n. 1. São Paulo: Associação Brasileira de Psiquiatria Mar. 2003. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462003000100015&lng=en&nrm=iso>. último acesso em 27/04/2019.) “[Contudo,] Nos relatos do naturalista alemão Von Martius, de 1844, este pesquisador descreve o Banzo tanto em negros escravos como em populações indígenas brasileiras nativas, mostrando que o Banzo não se restringia a negros recém-chegados de viagem nos navios negreiros.” (DALGALARRONDO, Paulo; SANTOS, Silvia Maria Azevedo dos; ODA, Ana Maria Raimundo. A psiquiatria transcultural no Brasil: Rubim de Pinho e as “psicoses” da cultura nacional. In Revista Brasileira de Psiquiatria. v. 25. n. 1. São Paulo: Associação Brasileira de Psiquiatria Mar. 2003. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462003000100015&lng=en&nrm=iso>. último acesso em 27/04/2019. Excerto extraído da sexta nota de rodapé no trabalho. Trecho entre colchetes por mim.) “Não seriam os sintomas do banzo, como pássaros que vêm bater seus bicos no vidro da janela, a dimensão – outra – corrosiva, imanente ao processo maquínico de subjetivação branco-ocidental-europeu-colonial? Dimensão que diz respeito a uma subjetividade, que, ao assustar-se consigo mesma, ao deparar-se com sua lógica obscura pululando nos corpos banzados dos inúmeros negros e índios […], faz todo o possível para abafar, evitar, emudecer a faceta corrosiva que ela própria produz?” (MARCASSA, Mariana. Sons de banzo. Tese (doutorado em psicologia clínica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2016. p. 59.)

52“Eu me lembro de ser pega falando espanhol no recreio – o que era motivo para três bolos no meio da mão com uma régua afiada. Eu me lembro de ser mandada para o canto da sala de aula por “responder” à professora de inglês quando tudo o que eu estava tentando fazer era ensinar a ela como pronunciar meu nome.” (ANZALDUÁ, Gloria. Como domar uma língua selvagem. In Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Difusão da língua portuguesa. n. 39. Niterói: Universidade Federal Fluminense. 2009. p. 305.)

53“A voz de minha bisavó ecoou / criança / nos porões do navio. / Ecoou lamentos / de uma infância / perdida. / A voz de minha avó / ecoou obediência / aos brancos donos de tudo. / A voz de minha mãe / ecoou baixinho revolta / no fundo das cozinhas alheias / debaixo das trouxas / roupagens sujas dos / brancos / pelo caminho empoeirado / rumo à favela. / A minha voz ainda / ecoa versos perplexos / com rimas de sangue / e / fome. / A voz de minha filha / recolhe todas as nossas vozes / recolhe em si / as vozes mudas caladas / engasgadas nas gargantas.” (EVARISTO, Conceição. Vozes-mulheres. In Cadernos Negros. n. 13. São Paulo: Quilombhoje. 1990. p. 32-33.)

54“[…] o “monstro” português me assombrava todos os dias. Todos os dias era uma pressão diferente para eu aprender a escrever direito, para eu saber que os verbos não são todos no infinitivo, para eu saber que as preposições são necessárias, para eu saber quando usar porque, por que, porquê ou por quê − até hoje tenho dificuldades.” (MURTA, Michelle Andréa. Eu, eu mesma e o português: experiência dos meus (des)encontros com a língua portuguesa. In Revista X. v. 13. n. 1. Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2018. p. 256.)

55“O que muitos estudos empreendidos por diversos pesquisadores têm mostrado é que os falantes das variedades lingüísticas desprestigiadas têm sérias dificuldades em compreender as mensagens enviadas para eles pelo poder público, que se serve exclusivamente da língua-padrão. Como diz Maurizzio Gnerre em seu livro Linguagem, escrita e poder, a Constituição afirma que todos os indivíduos são iguais perante a lei, mas essa mesma lei é redigida numa língua que só uma parcela pequena de brasileiros consegue entender.” (BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. São Paulo: Edições Loyola. 2007. p. 16.)

56“Todo idioma é um modo de pensar, dizem Damourette e Pichon. E o fato de o negro recém-chegado adotar uma linguagem diferente daquela da coletividade em que nasceu, representa um deslocamento, uma clivagem. O professor Westermannn, em The African Today, escreveu que existe um sentimento de inferioridade entre os negros, principalmente entre os “evoluídos”, que eles tentam permanentemente eliminar. A maneira empregada para fazê-lo — acrescenta — é freqüentemente ingênua: “Usar roupas européias ou trapos da última moda, adotar coisas usadas pelos europeus, suas formas exteriores de civilidade, florear a linguagem nativa com expressões européias, usar frases pomposas falando ou escrevendo em uma língua européia, tudo calculado para obter um sentimento de igualdade com o europeu e seu modo de existência.”” (FANON, Franz. O negro e a linguagem. In Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA. 2008. p. 39.) “Falar uma língua é assumir um mundo, uma cultura. O antilhano que quer ser branco o será tanto mais na medida em que tiver assumido o instrumento cultural que é a linguagem.” (FANON, Franz. O negro e a linguagem. In Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA. 2008. p. 50.) “Ao usar uma linguagem emprestada que é, além do mais, destituída de brilho exterior, quaisquer que possam ser suas qualidades intrínsecas, o importante é afirmar a integridade de sua pessoa diante de brancos imbuídos dos piores preconceitos raciais, cuja arrogância torna-se cada vez mais injustificada.” (LEIRIS, Michel. Martinique, Guadeloupe, Haïti. In Les Temps Modernes. n. 52. fevereiro de 1950. Paris: Gallimard. p. 1347. apud FANON, Franz. O negro e a linguagem. In Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA. 2008. p. 42.)

57“Estudantes Negr_s são persistentemente convidad_s para voltarem para ‘seus lugares’, ‘fora da academia’, nas margens, onde seus corpos são vistos como ‘adequad_s’ e ‘em casa’. Tais comentários agressivos são demonstrações frutíferas de poder, de controle e intimidação que certamente são bem sucedidas em silenciar vozes oprimidas. São bem sucedidas, aliás, ao ponto de eu me lembrar que eu parei de escrever por mais de um mês. Eu me tornei temporariamente sem voz. Eu tive um white-out, e eu aguardava por um Black-in. […] Eu, como uma mulher Negra, escrevo com as palavras que descrevem minha realidade, não com as palavras que descrevem a realidade de um_ estudante branc_, pra gente escrever parte de lugares diferentes. Eu escrevo da periferia, não do centro. E esse é também o lugar de onde eu teorizo, enquanto situo o meu discurso dentro de minha própria realidade. Assim, os discursos d_s pesquisadores Negr_s costumam emergir de forma poética e teórica que transgridem a clássica linguagem da academia. Um discurso que é tanto político quanto pessoal e poético, como os escritos de Frantz Fanon ou os da bell hooks. Essa deveria ser a preocupação primária da educação decolonial “oferecer a oportunidade para a produção alternativa de conhecimento emancipatório, como Irmingard Staeuble sustenta, para transformar, “as configurações de conhecimento e de poder com o intuito de abrir novos campos de teorização e prática”. Como escritor_s Negr_s e acadêmic_s, nós estamos transformando as configurações tanto do conhecimento quanto dos poderes enquanto nos movemos entre os limites opressivos, entre a margem e o centro. Essas transformações se refletem em nossos discursos. Quando produzimos conhecimento, argumenta bell hooks, nossos discursos incorporam não apenas as palavras de luta, mas ainda as de dor – a da dor da opressão. E quando escutam nossos discursos, pode-se ouvir ainda a dor e a emoção contida nessas fraturas/nesses rompimentos, ela argumenta, de ainda sermos _s excluíd_s dos espaços em que acabamos de “chegar”, e nos quais mal podemos “permanecer”.” (KILOMBA, Grada. Plantation Memories. Episode of Everyday Racism. Münster: Unrast. 2016. p. 29-31. apud LÍZIA, Millena. FAÇO FAXINA: bases contraontológicas para um começo de conversa sobre uma experiência epidérmica imunda. 2018. Dissertação (Mestrado em Estudos dos Processos Artísticos) – Programa de Pós-Graduação em Estudos Contemporâneos das Artes. Universidade Federal Fluminense. Niterói. 2018. p. 162-163. Tradução da autora.)

58“Por que abandonar X/@: 1. É impronunciável, e, portanto, inaplicável à linguagem falada. Quando qualquer pessoa, inclusive você, e mesmo outras pessoas que escrevem de maneira “neutra”, lê “amigx”, das duas, uma: ou a voz na cabeça da pessoa diz “amigxis” ou “amigo” mesmo. E daí o “x” não cumpriu seu propósito. 2. Não é inclusivo para deficientes visuais ou auditivos, justamente por serem impronunciáveis e acabarem sendo meros recursos visuais. 3. Não é passível de ser utilizado no mundo fora da bolha da internet, sendo, portanto, extremamente elitista. Você nunca vai ver uma sentença, uma propaganda, um edital ou uma revista utilizando X/@, e com razão — porque a maior parte da população, ao se deparar com um “carxs amigxs” apertaria os olhos e leria de novo pra ter certeza de que não está com problemas de leitura. 4. Isso dificulta, e muito, a vida de quem tem dislexia e dificuldades de leitura. 5. Não resolve o problema do sexismo na linguagem porque não mexe em sua estrutura.” (QG FEMINISTA. Escrever com “x” não é linguagem neutra. In QG Feminista. 13 de novembro de 2017. Disponível em <https://medium.com/qg-feminista/escrever-com-x-n%C3%A3o-%C3%A9-linguagem-neutra-f40f715c0b29> último acesso em 22/04/2019.)

59“É preciso, portanto, que a escola e todas as demais instituições voltadas para a educação e a cultura abandonem esse mito da “unidade” do português no Brasil e passem a reconhecer a verdadeira diversidade lingüística de nosso país para melhor planejarem suas políticas de ação junto à população amplamente marginalizada dos falantes das variedades não-padrão. O reconhecimento da existência de muitas normas lingüísticas diferentes é fundamental para que o ensino em nossas escolas seja conseqüente com o fato comprovado de que a norma lingüística ensinada em sala de aula é, em muitas situações, uma verdadeira “língua estrangeira” para o aluno que chega à escola proveniente de ambientes sociais onde a norma lingüística empregada no quotidiano é uma variedade de português não-padrão.” (BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. São Paulo: Edições Loyola. 2007. p. 17-18.)

60“O livro… me fascina. Eu fui criada no mundo. Sem orientação materna. Mas os livros guiou os meus pensamentos. Evitando os abismos que encontramos na vida. Bendita as horas que passei lendo. Cheguei a conclusão que é o pobre quem deve ler. Porque o livro, é a bussola que ha de orientar o homem no porvir …” (JESUS, Carolina Maria de. Meu estranho diário. São Paulo: Xamã. 1996. p. 167.)

61“E aquilo que nesse momento se revelará aos povos / Surpreenderá a todos não por ser exótico / Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto / Quando terá sido o óbvio” (VELOSO, Caetano. Um índio. In Bicho. São Paulo: Universal Music Ltda. 1977. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=-n1ZRbRKHOo&list=PLrt7VbxNS8rdtoxhCRptvicF9K2FSWwWp&index=5> último acesso em 27/04/2019.)

62“me parece emblemático de un tipo de lectura en Hispanoamérica que consiste en “no querer conocer” […] planteos de género, sobre todo cuando ilumina, es decir vuelve reconocibles, sexualidades que hacen entrar en crisis representaciones de género convencionales, cuestionando su binarismo utilitario; un tipo de lectura que perpetuamente desplaza el debate sobre el género y sobre la crisis de representación del género al más afuera de los proyectos de cultura nacional. Previsiblemente, en el caso de Sarmiento, después de este incidente de Juan Fernández [quando Sarmiento – um missivista em viagem no século XIX, do chile, rumo à Europa – comentou seu incômodo em relação a um dos homens viventes numa ilha chamada Más-afuera, que falava muito, e que foi lido por ele como afeminado, como um afrancesado, que falava muito como uma mulher], se vuelve a la vía recta del viaje latinoamericano a Europa. La noción de que el desvío queda fuera de la reflexión provechosa, en el más afuera de la nación, se confirma en el juicio de Antonino Aberastáin, corresponsal de Sarmiento. Aberastáin opina que “[la] carta de la Isla de Más-afuera no vale gran cosa” y aconseja a Sarmiento “que en adelante escriba sobre cosas útiles, prácticas, aplicables a la América.”.” (MOLLOY, Sylvia. La cuestión del género: propuestas olvidadas y desafíos críticos. In Revista Iberoamericana. v. LXVI. n. 193. Outubro-dezembro 2000. p. 817. Trecho em português entre colchetes por mim.)

63Luís de Camões [1524-1579 ou 1580] foi um poeta português.

64“O que levaria determinadas mulheres, nascidas e criadas em ambientes não letrados, e quando muito, semi-alfabetizados, a romperem com a passividade da leitura e buscarem o movimento da escrita? Tento responder. Talvez, estas mulheres (como eu) tenham percebido que se o ato de ler oferece a apreensão do mundo, o de escrever ultrapassa os limites de uma percepção da vida. Escrever pressupõe um dinamismo próprio do sujeito da escrita, proporcionando-lhe a sua auto-inscrição no interior do mundo. E, em se tratando de um ato empreendido por mulheres negras, que historicamente transitam por espaços culturais diferenciados dos lugares ocupados pela cultura das elites, escrever adquire um sentido de insubordinação. Insubordinação que pode se evidenciar, muitas vezes, desde uma escrita que fere “as normas cultas” da língua, caso exemplar o de Carolina Maria de Jesus, como também pela escolha da matéria narrada. A nossa escrevivência não pode ser lida como histórias para “ninar os da casa grande” e sim para incomodá-los em seus sonos injustos.” (EVARISTO, Conceição. Da grafia-desenho de minha mãe um dos lugares de nascimento de minha escrita. In Representações Performáticas Brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza Edições. 2007. p. 21.)

65“Falar é estar em condições de empregar um certa sintaxe, possuir a morfologia de tal ou qual língua, mas é sobretudo assumir uma cultura, suportar o peso de uma civilização.” (FANON, Franz. O negro e a linguagem. In Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA. 2008. p. 33.)

66“Podemos sorrir, nada mais nos impede / Não dá pra fugir dessa coisa de pele / Sentida por nós, desatando os nós / Sabemos agora, nem tudo que é bom vem de fora / É a nossa canção pelas ruas e bares / Nos traz a razão, relembrando palmares” (ARAGÃO, Jorge. Coisa de pele. Rio de Janeiro: Som Livre. 1986. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=BEenV2FECik> último acesso em 05/04/2019.)

67Cf. SANTIAGO, Daniel. O Brasil é o meu abismo. s.d. Reprodução fotográfica sobre papel. Coleção Museu de Arte do Rio / Fundo Orlando Nóbrega.

68“Não querer dizer, não saber o que se quer dizer, não poder dizer o que se acredita que se quer dizer, e sempre dizer ou quase, isto é que é importante não perder de vista, no calor da redação.” (BECKETT, Samuel. Molloy. São Paulo: Editora Globo. 2014. p. 49.)

 

 

(Fig. 2 – Fotografia enviada para mim por Georges Gonçalves, por email, do Sesc Vila Mariana, em São Paulo, no Congresso de Ensino e Aprendizagem das Artes na América Latina: Colonialismo e Questões de Gênero. Era dia 24 de abril de 2019, às 16:40h. Veio acompanhada da mensagem: “Tô num congresso e no comecinho da fala da Renata Felinto ela abriu esse texto (da uma lida). Lembrei de tu na hora .”. A imagem é de um palco bem grande, típico de grandes apresentações de teatro, nas cores vermelho e preto. Renata Felinto ocupa um púlpito à esquerda e, na maior parte de todo o resto da imagem, há uma grande tela, de fundo branco, exibindo o seguinte texto em preto (trecho entre colchetes por mim): “O ensaio que desenvolverei nas páginas a seguir não se molda nas fórmulas convencionalmente prescritas para trabalhos acadêmicos e/ou contribuições científicas. Nem está o autor deste interessado no exercício de qualquer tipo de ginástica teórica, imparcial e descomprometida. Não posso e não me interessa transcender a mim mesmo (…) considero-me parte da matéria investigada. Somente da minha própria experiência e situação no grupo étnico-cultural a que pertenço, interagindo no contexto global da sociedade brasileira, é que posso surpreender a realidade que condiciona o meu ser e o define. [espaçamento de uma linha] Abdias Nascimento (1914-2011) poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor”)

Pensei em começar falando que meu olho entreabriu. Mas recordei o que aconteceu antes disso. Que senti seu toque enquanto eu permanecia sentado em lótus no chão. Que seus pelos roçavam em minha perna esquerda, em meu braço direito, em minha perna esquerda. O que me fazia curioso por saber qual das duas seria. Pelo tato que ela mesma buscava tocando em mim, julguei menor o seu tamanho, menos pelagem, e imaginei que fosse Alicia. E ela então parou. Por longos segundos. Ou longos minutos. Minha sensibilidade ao tempo ainda era pouca. Aí sim foi quando meu olho entreabriu. Pouco, mas suficiente para que eu visse um pequeno vulto na minha frente. E, curioso, abri totalmente meus olhos: Alicia, sentada simetricamente alinhada ao eixo central do meu corpo, olhando fixamente meu rosto, que até então residia compenetrado, em silêncio profundo, fechadas suas pálpebras,

O que havia para ser visto?

Ao Instituto Odeon,

prezados senhores,

Por motivos de ordem pessoal, faço uso desta para apresentar meu pedido de demissão do cargo que ocupo nesta empresa.

Solicito a dispensa do cumprimento do período de aviso prévio, tendo em vista optar por me dedicar integralmente à pesquisa acadêmica, a partir do meu ingresso no mestrado em Estudos Contemporâneos das Artes da Universidade Federal Fluminense. Inicio minha matrícula na instituição em março deste ano, conforme exposto nos documentos anexos.

Aproveito para reiterar minha consideração a esta empresa pela oportunidade concedida e pelo tempo que aqui permaneci.

Atenciosamente,

Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 2019.

Jandir Gomes dos Santos Junior

“eu tô com a garganta inflamada. tenho certeza que é por esse momento limítrofe da saída do museu. essas coisas mexem com o meu energético, só isso explicaria. hahaha, mas brigado! tô realizando um sonho, e me sinto fechando um ciclo, sabe? o meu primeiro dia de trabalho no museu foi primeiro de março de 2013, dia em que ele inaugurou. e agora tô saindo dia 28. quando terminar de trabalhar vão faltar poucas horas pro aniversário do museu, dia primeiro de março.
é uma simetria foda, me dá alguma alegria saber disso. é como se houvesse um equilíbrio, como se fosse um “agora vai” dito pelo universo, pelo todo.
no mais, boa dança, […]!! que o amor bata na sua porta (da sua casa aconchegante com o mar de quintal). você merece ser cortejada por ele.”

 

Captura de tela enviada para mim por Cássio Andrade, por e-mail, hoje, às 13:39. Veio da página Citações célebres da UFC, no Facebook. Na imagem, uma trabalhadora uniformizada, com vassouras e um balde nas mãos, está parada em um corredor, observando um trabalho acadêmico em formato de painel. A legenda que acompanha a imagem diz: “A sua dissertação/tese está compreensível para o trabalhador que financiou sua pesquisa?”