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by Jandir Jr / from Brasil

Michele Zgiet me relembrou agora desse envelope que enviei no ano passado, pelo convite que ela fez a mim e a outras pessoas, onde estávamos reunidas. Tinha me esquecido dele e, nossa, quanta coisa passou. Não carimbo mais envelopes com essa frase.

 

Hoje encontrei essa bolinha de papel em cima de uma fotografia e não repassei o problema à supervisão. Tive muita vontade de pôr algo encimando as molduras por aqui, enquanto monitorava as exposições, dia após dia, mas não fui eu quem pus a bolinha hoje. Como ato, apenas não avisei. Quis agir nesse ato já agido; ser de um silêncio que é seu mantenedor; ser coadjuvante nele.

Abaixo, dois textos que escrevi para exposições de artistas (pontos fora da curva no que tenho feito).

Máquina de movimento perpétuo, a diabetes e a produção do açúcar. Não quero comprovar a linha que inicia estas poucas palavras aqui. Desejaria escapar a essa responsabilidade; são esses trabalhos de Antonio que me trouxeram até ela. Só se fosse o caso de medir o açúcar pelo gosto que deixa na minha língua. Mas convivo com Antonio e já o vi de três em três horas se alimentar e medir seu índice glicêmico. Me parece impossível não associar, num contínuo, o consumo do açúcar e sua distribuição quando se tem de medir-se afim de encontrá-lo em si.

Por viver à espreita da glicose em seu sangue, Antonio me parece consubstancial ao próprio açúcar e às dinâmicas sociais que o possibilitam amplamente. Só assim sua figura recorrente em fotografias e sangue sobre papéis me oferece leitura. Antonio é um só com os cortadores de cana em condições análogas à escravidão, que, por sua vez, são um só com o rótulo que vejo ensacar as quantidades refinadas que uso como adoçante mensalmente. Mas essa coligação vai além e, em seu procedimento artístico, em claro diálogo crítico com certas produções modernas e contemporâneas, representações científicas e estimativas relacionadas ao açúcar se amalgamam ao performático, ao desenho de matriz conceitual, à abstração geométrica. Consubstancial às dinâmicas sociais mais doces se coloca então este artístico que, já não mais seguramente distante em etnia e sujeição como nos momentos de impulso etnográfico, hoje se encontra em união irrevogável com aquele que poderia ser seu outro, mas que agora é seu agente ou saqueador.

Texto escrito na ocasião da exposição Açúcar, individual de Antonio Gonzaga Amador que ocorreu na Sala José Cândido de Carvalho, em Niterói, no ano de 2016.

oi miga. e aí, beleza? ó, eu tava pensando um pouco sobre… …. sobre as paradas, né? sobre o seu trampo… … sobre a coerência nele, o encadeamento entre os trabalhos e essa parada toda. e me veio a cabeça que… … cara, ele reflete muito sobre a condição de muita gente que tá agora pela prática artística. e, tipo, me faz pensar: pô, quem somos nós que tamo chegando nesse rolê, agora, assim, e…… tomando contato com esse meio? pô, é muito interessante pensar, porque…. … tem…. .  eu acho que o campo da arte tem um pouco disso, ó… . . uma necessidade de ter outros estratos da sociedade… é… mostrando que… sei lá, as pessoas precisavam…. . ã….. . é, fiquei meio confuso, assim, mas é porque… … o… porra, é uma parada muito doida, assim….   … tipo… … eu trabalho num museu, né? e eu vejo muitas pessoas passando por aqui que… que não são do habitus cotidiano, não tem o corpo cotidiano que se desloca num museu. então são pessoas que são alheias aos textos de parede, são alheias a postura que geralmente o visitante médio assume ao olhar para uma obra de arte, não se debruçam, não põem a mão no queixo, não olham com encantamento, mas passam. o lance delas não é o da erudição, o da aquisição de conhecimento, que geralmente é o de quem tá nas universidades e….. porra… o dos circuitos intelectuais anteriores que formataram as nossas ideias de museu, mas é o do entretenimento, classe média…. é…… .. e aí, porra, é interessante porque há um movimento de acesso… ã… ..  nessas pessoas também nas universidades, entrando em cursos de graduação, por exemplo, em artes visuais, em artes visuais – escultura… …… enfim, o que seja. e aí… é… . .. eu acho que seu trabalho fala sobre a produção de arte relacionada com os hábitos da sociedade de consumo, com os hábitos de quem… tá no paradigma do entretenimento ou da fruição mais tranquila, e menos como esse exercício da intelectualidade…    …. mas o estranho disso tudo é que chegam nesses lugares e a gente descobre que na real a gente tá cumprindo a… .. um projeto dessa elite intelectual. é… .. uma coisa que vem muito a cabeça é que eu achava que eu ia ter uma profissão como artista entrando numa universidade de artes. e aí, entrando na universidade, eu descobri que não era bem assim, porque esse não era o projeto de formação ali. tipo, se a gente entra pra esse lugar com a ideia de que a gente vai ser formado pra ter uma profissão e isso não é a verdade, é porque ele responde aos interesses dessa galera…..   desse projeto oligárquico de arte-nação.    é.. … … e ele não responde às nossas necessidades materiais, ou à nossa necessidade material aliada a nossa… as nossas vontades de ascensão econômica e social, que são também reflexo de como a gente incensa esses privilegiados .. estratos sociais ou, tipo, esses lugares de cânone, tipo, ao invés de criticar eles. e eu vejo que aqui tá o teu trampo, cara. tipo, tá nessa espécie de crítica, é… com relação a esses lugares. tipo, porra, quem somos nós no rolê? qual é a nossa posição ali? eu acho que ele é a síntese perfeita disso, de que a gente é a sociedade de consumo e a gente é artista aqui, ao mesmo tempo, sendo proletariado dessa elite, que nos é alheia nos anseios, nos projetos. … e… ..  e a gente tem de alguma forma reelaborado isso a partir desse paradoxo. eu acho que é uma parada do diag… diagnóstico, tanto o que eu falo aqui quanto o que você faz. e… .. …..  eu acho que eu tô falando um monte de besteira também. passam por mim um monte de questões que eu não consigo dar conta, sei lá, tô pensando nisso muito rasteiro, e eu acho que meu dedo tá cansando de segurar o áudio, então…     …  é… . …  eu vou parar de falar. . um beijo, tá? bom dia milla.

Texto escrito na ocasião da exposição Óleo sobre tela, individual de Camilla Braga no programa Solo Projects [Rio] Novas Poéticas 2017, realizado no Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2017.

https://facebook.com/groups/23077102259?view=permalink&id=10154677692372260

Paula Vileny 30 de agosto às 16:13

Talvez você só entenda o vídeo após ler o texto.

Sexta-feira, dia 25/08/2017, Museu de Artes do Rio de Janeiro.

Estava eu de férias no Rio de Janeiro onde reservei boa parte da minha programação para visita a Museus. Dentre todos que visitei, foram 6 no total, em um tive uma experiência bem desagradável.

Museus, para mim, devem ser vistos como espaço destinado à construção e disseminação do conhecimento na sociedade, local para estar em silêncio consigo e com seus pensamentos.

Chegamos ao Museu às 16h, às 17h a bilheteria encerrava, mas quem já estava lá dentro podia permanecer até as 18h. 2 horas em um museu é pouquíssimo tempo, então tínhamos de aproveitar da melhor forma. Mas, um obstáculo foi encontrado e não tinha nada a ver com tempo….

Em uma determinada área, enquanto olhava a exposição e lia as informações que ali continha, funcionários que estavam nessa sala, que ao meu ver deveriam estar ali para vigiar/tirar dúvidas/fiscalizar entradas e saídas de visitantes, se divertiam ao trocar mensagens de rádio com outros colegas, onde o rádio que deveria ser usado também como mais uma ferramenta de trabalho dá espaço para um instrumento de “descontração”.

Como funcionava a brincadeira: de um lado alguém falava uma palavra e quem a recebia deveria cantar uma música com a palavra mencionada, após isso os papéis invertiam. No momento que filmei, os funcionários receberam a palavra “banana” e os mesmos começaram a cantar uma música do Chiclete com Banana.

Conversas, brincadeiras, gargalhadas, zoada e uma tremenda falta de respeito com quem, pelo menos tentava diante do barulho formado, se concentrar na exposição, nas leituras.

Olhávamos para eles, para ver se tocavam com a situação, mas estavam concentrados demais na sua atividade. Então, resolvi filmar. Nem perceberam.

Saímos e fomos para outra sala, tinha um segurança e perguntamos se existia algo ou alguém para que contássemos o que tínhamos presenciado. Mas, não tinha ninguém e acabamos descrevendo o que tinha acontecido ao segurança, e sabe o que ele nos respondeu? “Ah, são jovens”.

O que eu vi não remete a isso. Foi falta de educação, de respeito, de cuidado com o outro, falta de ética no trabalho. São jovens… também sou, também somos. Juventude não tem nada a ver.

Idade não traduz maturidade. É verdade que ninguém é responsável pelo progresso, mas ninguém lhe é indiferente e nem deixou de fazer parte dele, por isso, deveriam deixar de justificar algumas atitudes dos mais novos como se esses males fossem normais por pertencermos a uma geração diferente.

As atitudes que temos hoje é o reflexo de ontem e uma inspiração para o amanhã, podemos e devemos melhorar aquilo que se percebe que precisa ser aperfeiçoado, com a garantia de que todos ganhamos, pois, o saber não ocupa lugar.

Sem experiências não há aprendizagem e não é a idade que define tal opção, mas sim a disponibilidade de cada um, pois querer é um passo para fazer.

Se acreditarmos que sabemos o suficiente por termos uma determinada idade, acabamos imaturos, inexperientes, parados no tempo, amargos, frustrados… bananas.

Banana. BANANA. BA-NA-NA! Não é que a palavra recebida no rádio cabe totalmente a eles?!

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(eu fui um desses educadores que paula menciona. e recebi uma advertência, que somada a mais duas seriam motivo para uma demissão por justa causa. um outro educador já chegou a receber uma advertência quando uma criança quebrou uma obra de arte que estava danificada (era um segredo interno de alguns do museu: uma parte sua estava colada precariamente, antes do caso). olharam o circuito interno de tv, julgando que ele, o educador, não fez o suficiente para impedi-la (talvez se jogar na frente da arte?). rs. não são sozinhas que as câmeras nos fodem.)

(03/10/2017 – O Museu de Arte do Rio, após os ataques dos setores conservadores à sua vontade de abrigar a exposição Queermuseu, bem como após uma manifestação que aconteceu em suas galerias no último domingo, irá publicar um documento público informando sobre limites e direitos de seus funcionários e visitantes. Nele está definido, entre outros aspectos, que é proibida a gravação não autorizada de funcionários, que só com consentimento se pode realizar registro audiovisual dos colaboradores. É importante frisar, frente a isso, que o MAR decidiu proteger a imagem de seus funcionários nessa situação que fragiliza a própria instituição, mas não tomou essa posição quando o vídeo realizado de forma não consentida foi interessante aos seus processos internos. Por essas informações afirmo sem grandes incertezas que o museu, ao criar esse documento público, se interessa antes em proteger a si mesmo do que em proteger seus funcionários de base. Ou, numa articulação mais dada entre esses agentes, creio que o MAR deseja proteger esses funcionários somente na medida em que são estruturantes de seu infinito vir-a-ser (entendo que o ato de uma instituição é apenas o de criar-se ininterruptamente; nada faz muito bem para além disso), e não em sua existência plena como cidadãos – numa perspectiva da nossa invenção do social – ou como vida – na inalienável perspectiva ontológica de nossa ecologia, negligenciada por esse mesmo social que nos imbui a cidadania -.)

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(No mais, penso o que fizemos com os rádios no MAR como o que historicamente chamamos performance: um ato contra as estruturas da arte como hegemonia.)

Após uma manhã de tristeza, que acompanha os outros dias mais recentes em que penso como deixar este meu emprego, comecei a tirar dos bolsos o que levei comigo para a exposição. André, que começou a acompanhar aos poucos esse meu desnudar-se tímido, sugeriu que eu tirasse também o que carregava da minha carteira para o chão, e assim o fiz. Tirei sapatos, meias, crachá e, quando percebi, tirar a camiseta, calça e cueca – o que restava em mim – implicaria em minha demissão por justa causa. A estrutura permissiva deste museu olharia com generosidade o que fiz ali, encarando aquilo como uma proposta arrojada de ação educativa com os públicos, mas não a minha nudez; a minha nudez seria o desvio de conduta; quando a proatividade é tanta que já não é vista como uma mais-valia funcional – um acumular de funções que deu certo (educador-monitor é o artista-etc. que me cabe, Basbaum) -, mas como ingerência e crime também (pois o museu é o mundo mesquinho em que vivemos, Oiticica). Por isso não estive nu. Mas me surpreende minha vontade de nudez. O trabalho que destrói minha vida pôde fazer a expressão da nudez, sempre tão recalcada, se tornar óbvia em sua necessidade ao contexto: penso no impeditivo tácito a que as últimas três coisas que restavam comigo saíssem de mim. Nisso percebo que o que sublinhou minha nudez possível foi sua própria impossibilidade; o meu corpo sendo vilipendiado num tripalium.

 

Ou talvez estivesse eu disponível junto as coisas ali, no chão, como coisa eu mesmo. E estivesse eu nu pela nudez do que me veste e do que carrego vindo à tona.

 

(Num outro momento da estrutura de trabalho nesse museu, em 2013, Arantxa disse: https://revistausina.com/2014/08/16/livre-de-taxonomias-enquadramentos-ou-classificacoes/

Livre de taxonomias, enquadramentos ou classificações

Consciente do meu lugar como contribuinte para o sistema de arte e consequentemente com o mercado de arte. Explico: não acredito que se esteja contribuindo para o mercado apenas participando de relações de compra e venda. Embora não satisfeita, reconheço que o estudo e aproximação com o meio artístico muitas vezes se dá inerente a processos de legitimação e adição de valor. Portanto, o que me parece mais importante a se fazer no contexto atual, para aqueles que rejeitam a posição da arte próxima à divindade e do artista ao profeta, é de pensar quais são nossas parcelas de responsabilidade enquanto profissionais do meio artístico. Seja qual for nossa função dentro desses processos: curadores, artistas, educadores, todos devemos, a meu ver, como qualquer outro agente atuante em nossa sociedade, assumir responsabilidades.

No ano de 2013, trabalhando como educadora, desenvolvi uma Conversa de Galeria sobre os limites na arte contemporânea. Os limites, ou melhor, os não-limites estabelecidos atraíam minha atenção. Minha intenção era que a partir dessa dúvida pessoal surgissem espaços para debate e reflexão sobre o papel do artista como agente social. Que responsabilidade tem os artistas em situações performáticas que criam e o público, que, afinal, retroalimenta o sistema de arte? Quais são nossas responsabilidades frente a processos que irradiam prestígio ao invés de criarem irradiações de sentido?

O Museu de Arte do Rio (MAR) convidou este ano o GE a expor e residir entre suas paredes. O Grupo Empreza (GE), coletivo de arte composto por performers de diversas capitais do país, entre elas Goiás e o Distrito Federal, existente há mais de treze anos trabalha através da super-exposição do corpo o desejo de expandir seus limites. O grupo investiga os limites do corpo como matéria e território, colocando-o como objeto e sujeito de linguagem. Suas performances envolvem violência e o desgaste do corpo, que age e se sujeita a situações que buscam o extremo. Em uma de suas performances dois homens vestidos de terno, uma marca do grupo, têm suas cabeças amarradas por uma corda que os une. Ambos integrantes tentam fugir da corda e para isso puxam um ao outro violentamente num exercício constante até a exaustão de um dos performers. Em outra performance, meio à Avenida Paulista em São Paulo, um homem de terno se arrasta, rasgando, sujando e expondo um corpo que se fere ao longo do mesmo caminho que fazem centenas de paulistas todos os dias.

A exposição contou com uma sala destinada à trajetória do grupo, com vídeos de diferentes performances e outra sala, na qual o público pôde interagir com os artistas, no que o museu chamou de ateliê coletivo, na intenção de que o processo de criação dos artistas fosse compartilhado com os visitantes.

Após uma residência de arte contemporânea e pedagogia, minhas dúvidas sobre os limites na arte contemporânea aumentaram: Não sobre limites já constantemente trabalhados por artistas, tampouco os do espectador, mas os limites que o espectador impõe. Minha dúvida reside em se existem limites estabelecidos pelo público. Se o público comum, me referindo ao público não envolvido com o meio artístico profissionalmente, tem fala dentro do processo de criação. Se não o tem, teríamos então criado um meio capaz de sustentar e expor o trabalho de agentes emancipados de qualquer limite? É isso que desejamos? É então, em todo artista que depositamos toda confiança de que suas obras sejam sempre capazes de ativar espaços de reflexão ou deleite, e que para isso deliberamos ao seu processo de criação qualquer condição?

Durante a residência, a responsabilidade do artista como ser atuante no imaginário coletivo, interpessoal e individual foi um dos assuntos que mais debatíamos. Colocava-me de frente com dúvidas sobre minha prática educativa, diretamente social e atuante na criação de relações entre público/obra e público/artista. O trabalho que desenvolvo com o público torna-se importante a partir do momento em que se reconhece que o educador é agente capaz de instigar reflexões, impor discursos associados ou simplesmente criar o interesse do público por aquela obra ou aquele artista. Vejo então que o meu trabalho também envolve a responsabilidade de pensar, estudar e questionar o artista. Enquanto educadora assumo responsabilidades, assim como o artista assume as respectivas à sua função como agente atuante na sociedade.

Contrariando, não estaríamos, assim como na performance “Arrastão” do GE, batendo-nos de frente, num choque constante entre público e artista, sem a possibilidade diálogo entre os dois agentes? Se o educador configura-se como figura responsável por mediar à relação entre ambos, não seria ele também responsável por procurar que essa relação se faça democrática e construtiva?

Antes da abertura da exposição, os educadores do museu foram convidados a participar de um laboratório de criação performática, com o intuito de uma criação coletiva entre artistas e educadores. O objetivo era que pensasse em conjunto possibilidades de mediação para os grupos que receberíamos e levaríamos até sua exposição.

Dentro da atividade proposta pelo Grupo Empreza, foram colocados materiais dos quais poderíamos escolher três para utilizar e criar uma performance. Escolhi uma fita adesiva preta e um batom. Com a fita, delimitei um metro quadrado aproximadamente. Inserida naquele espaço delimitado acabara de criar um outro território, protegido das possíveis consequências que a instituição poderia vir a criar em resposta ao que planejava realizar. A faixa, símbolo insuperável da institucionalização da arte, me protegia sob o pretexto de que o que iria fazer não era como estratégia educativa, mas como performance. Tirei a camisa e nela escrevi, ocultando do público (neste caso formado por colegas de trabalho, supervisores e membros do Grupo Empreza): “O Artista Pode o que Ninguém Pode”. No meu peito nu, escrevi de batom: “Não Posso.” A frase era visível para o público. O batom era o único material disponível para escrever, sua cor e sua textura não ajudavam a tornar o escrito mais visível, nem na camisa, nem no meu corpo. Seguido, coloquei a camisa e finalmente revelei para o público o que escrevi: “O Artista Pode o que Ninguém Pode”. Ao colocar a camisa mais uma vez reforço um território isolado dentro do espaço institucional que me protegia da ação que havia realizado.

O artista realmente parece poder tudo o que ninguém pode. O artista é aquele que, deslocado das exigências de qualquer outro trabalhador, cria situações que evidenciam os limites morais e culturais. Minha dúvida fica no limite do artista enquanto agente que denuncia e age contra tais estruturas, ou como aquele que coage e as reforça. De uma coisa eu sei. Não sou artista. Portanto não poderia aquilo que o artista pôde. Saio do quadrado de fita. Fim da performance.

Arantxa Ciafrino, agosto 2014)

Intervenção: pedra que encontrei no espaço expositivo e que deixei junto a coluna, equilibrada com precariedade, em exposição.

Aline B, [06.09.17 16:09]
Olha o q eu acabei q receber:

Aline B, [06.09.17 16:09]
Oi Alineee
Tenho uma proposta pra te fazer. Naquele projeto dos dias de glória que eu e Alice falamos estamos nos organizando pra a próxima edição (27/setembro) a respeito de Cosme e Damião. Nossa ideia é fazer saquinhos de doce carimbados com imagens criadas por artistas a respeito desse tema.
Você estaria interessada em participar com um desenho?
Vamos distribuir esses saquinhos com doces ali pela Glória!
😉

Jandir Jr., [06.09.17 16:10]
Po!!!!!! Que maravilha cara!!!
Hahahahaha

Jandir Jr., [06.09.17 16:10]
E ce já tem um desenho

Jandir Jr., [06.09.17 16:10]
Q curioso… As ideias voam mesmo de uma cabeça pra outra

Jandir Jr., [06.09.17 16:11]
Fico feliz que alguém esteja botando p frente essa ideia

Aline B, [06.09.17 16:22]
Fiquei mto chocada

Jandir Jr. <mailexpressivo@gmail.com> 17 de maio de 2016 16:03
Para: Aline Besouro <besouroaline@gmail.com>

Alineee

Às vezes eu penso em começar a dar doces de Cosme e Damião… pensei nas sacolas de Cosme e Damião. Tipo essas

Como
não sou do desenho, eu… Bem, acho que isso é mais uma proposta q te
faço para fazer um desenho p uma sacola dessas. E tbm p me ajudar a
pensar nisso do distribuir doces. Penso isso um pouco a partir da arte,
mas também da espiritualidade, da afrodescendência, do subúrbio, do rito
etc.

Tenho uma relação com esses Santos, que posso te contar depois, e me identifico muito com isso aq – https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Santo_anárgiro   Dai meu interesse repentino.

q acha?

bjos!!!!

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(desenhos por aline b)

Tenho estabelecido relações com atendentes de telemarketing ou com aquelas pessoas que fazem pesquisas de público ou oferecem serviços aos transeuntes.

Nota introdutória

Quando entrei na faculdade, vivi seus primeiros meses com um auxílio desemprego. Sabendo que não conseguiria me manter graduando quando esse dinheiro terminasse, submeti minha solicitação de bolsa auxílio à UFRJ, e me surpreendi: recebi uma carta dizendo que era reconhecida minha carência, mas que não haviam bolsas suficientes para que eu recebesse ajuda.

Nesse ínterim, meu pai – que é aposentado como vendedor de passagens numa viação rodoviária e tinha bem mais que sessenta anos à época – decidiu que iria começar a vender churrasco numa das ruas da Vila da Penha, e parte desse dinheiro dos espetinhos iria me custear a universidade; cerca de duzentos reais por mês, que me mantiveram, ainda que com algumas dificuldades, por mais de um ano na UFRJ.

E aí, um dia, ele infartou. Permaneceu em risco de vida e preso por semanas numa UPA sem capacidade de atender seu caso, sob a alegação de que não havia vagas em unidades com especialização em cardiologia. Graças a um tio que conhecia a chefe de enfermagem de um hospital público na zona sul conseguimos uma vaga para ele. E, assim, um homem negro conseguiu escapar do sistemático etnocídio que opera também pelo sistema de saúde pública brasileiro.

Contudo, restava o risco de que ele falecesse pelas complicações de seu coração debilitado. Era quando eu cruzava da zona norte à zona sul em muitos dias da semana para ajudá-lo lá, internado naquele hospital. E, apesar de terem semanas em que eu nem conseguia ir à faculdade, soube que estava aberto novamente o período de solicitação das bolsas auxílio. Eu tentei novamente, dessa vez com uma carta mais pungente, em que disse do que estava acontecendo, de que pedia dinheiro emprestado agora, que sentia depressão e que, se meu pai falecesse, iria abandonar a graduação para trabalhar. Foi quando consegui a bolsa, de cerca de quinhentos reais, que me manteve aqui até a formatura, formatura essa em que meu pai esteve presente também, forte, de pé e chorando à beça.

Trago estas palavras antes do que escrevi sobre as ações afirmativas para que eu mesmo relembre que falar disso aqui, hoje, é coextensivo à vontade de ver Rafael Braga liberto, de não ter nossos avós mortos pela negligência nos hospitais, de ver mais uma pessoa negra numa universidade pública e de ver suas filhas e filhos numa universidade pública também. Meu nome é Jandir Jr.. Sim, é o nome do meu pai, e ainda é muito pouco nós dois aqui hoje sob este mesmo nome, e até dois aqui é pouco quando tantas outras pessoas morrem, são enjauladas ou mesmo abandonam a graduação. Vivemos nos tempos de um governo golpista. A incerteza pulula. Mas eu não farei menos do que desejar, ainda que com a predição que o medo nos aponta. Desejo que não sejamos poucos aqui daqui pra frente.

(Nota que antecederá minha apresentação dum texto sobre práticas artísticas e ações afirmativas no seminário UFRJ faz 100 anos, no dia 6 de setembro)