.entre em sua lista de contatos no whatsapp;
.escolha um deles, a seu critério;
.abra;
.aperte o ícone de gravar uma mensagem de voz;
.comece a falar: o que quiser, mas tome o máximo de tempo gravando;
.quando acabar, descarte a mensagem; não envie.

Enviado por e-mail, às 10:16h, para Gabriela Bandeira.

 

Oi, Gabi. As suas fotos, e esse estímulo todo a entrarmos uns nos trabalhos das outras, me fizeram uma imagem dentro da cabeça. É assim: de uma das janelas mais altas dum prédio desce uma corda teresa até o chão, e então ela sobe num edifício vizinho, até outra janela bem alta. Sobre isso, eu não gostaria de especular como a teresa poderia ter sido construída – se amarrada só com lençóis do primeiro apartamento, se por alguém da outra janela usando seus próprios tecidos. Mas guardo exceção para sonhar um absurdo a respeito disso: lençóis de ambos apartamentos descendo pelas janelas até o rés do chão, na rua, onde se encontrariam num último nó, unindo as moradias de onde, eu espero, ninguém sairia, em adesão ao isolamento social.

É isso.

Escrevi em quatro papéis diferentes. Cada um deles enfiei num dos quatro envelopes que ainda guardo numa gaveta. Anotei meu endereço num de seus lados externos. Então levantei bem cedo um dia e caminhei numas ruas. Segui sem me aproximar nem um metro de quem quer que fosse. E, em algumas caixas de correio, os depositei. Depois disso, algumas pessoas os abriram. Talvez antes tenham deixado os envelopes isolados, aguardando que seus coronavírus morressem. Quem sabe lavaram as mãos bem depois de tocarem essas correspondências? Mas passada toda a esterilização, ou mesmo sem ela, viram no interior de cada envelope um papel. E cada um deles com o texto que você lê agora, manuscrito.

Redigir nestes papéis e remetê-los foi a forma que me ocorreu de encostar; de aludir a um toque, uma proximidade. Esta, então, é uma carta que lembra a mediação que faz entre as palmas de gentes distintas. E que se proclama, por isso, como um cumprimento. Porém menos como um aperto de mãos; mais como aquele esbarrão que damos em alguém e que, por força dum pedido de desculpas, se torna um abraço tímido.

Por isso, um abraço.

Uma vida maravilhosa para você e quem mais você quiser que a tenha.

Enviada à Secretaria Especial da Cultura. Edifício Sede, Esplanada dos Ministérios, Bloco B, CEP: 70068-900, Brasília, Distrito Federal.

 

Olá.

Quero lhe falar sobre artistas que são como eu gostaria de ser: que talham o mínimo. É coisa difícil de ser pequena. Exige menos ferramentas, ainda menos matéria-prima.

Uma moça colhe a fumaça dos carros, a despoluir o mundo. Tomam algumas bolhas dos ambulantes sopradores de bolhas de sabão. Tem quem tire uma mecha de cabelo do risco iminente de ir em direção ao chiclete colado no assento do ônibus, sem que a dona dos pelos perceba. Alguns dançam em seus quartos. Há quem cante com a boca pro ralo do esgoto. E aquele senhor que desvia o curso dum rio há 27 anos?

A cultura, eu digo, tem essa classe de artistas do absurdo. Por isso aqui estou para dizer simplesmente que há. E que portanto a arte… bem, na verdade, é só pra dizer: nós, esses (pra quando eu for um desses), não recebemos repasses de verbas. Mas somos. (como ar)

Atenciosamente,

Enviado por e-mail, às 11:33h, para Mônica Coster Ponte, com o assunto: “lembra desse email?”

 

SUBJECT: Desratização – Bloco D
FROM: mail expressivo <mailexpressivo@gmail.com>
TO: adm.blocod@gmail.com
BCC: monicac@ufrj.br, rafalima831@hotmail.com
DATE: 10/08/2014 18:26

Olá, adm.

Muito me preocupa o assunto da desratização. Por exemplo, como serão capturados esses animais? Onde eles serão colocados? O que será de suas vidas uma vez que eles estão tão bem adaptados a seu habitat natural? Existem muitos filhotes (crianças de ratos) frágeis e que têm uma relação afetiva com os(as) usuários(as) do bloco d.

Por favor, essas questões são preocupantes.

Carta ao Arcebispo católico do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, enviada por e-mail às 23:27h.

 

Caríssimo, gostaria de pedir que apague as luzes quando for falar. E que fale de tarde. Que anoiteça enquanto fala. De modo que escureça totalmente antes de ser ponto final sua voz. Caríssimo, não note o absurdo, é que eu acho linda a ideia. Começar falando em meio à luz natural, à vista de seu público, mas terminar sem ser visto e sem nem ver ninguém. Só sua voz, ocupando a grandiosidade apagada duma catedral. É por isso: lhe envio e-mail porque é bonito acontecer em uma catedral, sabe-se lá porque, isso de terminar em escuridão e em voz, a sua. Que seja uma missa, talvez. Gostaria de assistir uma missa que me pusesse dentro da noite. Gostaria… e é mesmo: gostaria de ouvir de dentro dessa noite você, ainda falando por deus. Sendo assim, cê seria mais óbvio no encarne que já é, do elo noturno entre ele e nós. Além de que numa escuridão tal sua voz poderia ser a dele. Eu lhe peço: adentre a noite falando, para esquecermos teus contornos de homem, e lembrarmos a falta de contornos dele, que é uma fala, deus, verbo, carne, hálito e nós… Dom Orani, me avise se fizer isso. Obrigado. Um abraço.