Elisabeth Marset (6.6.2018 – 9:30h):

Agora entendi, está faca quebrada que Jandir gostava, espalha melhor as coisas no pão, parece uma espátula. Herança que não tem valor real.

Esse é Nelson da Motta.

Cabe dizer que o conheci ao lhe abordar enquanto segurava a mão do manequim, quando falei que não era permitido tocar e ele disse: mas essa é minha! (e contou sobre como é a única fantasia conservada essa que emprestou ao MAR. E que não usava bengala na época do desfile, em 88)

(e aos artistas mimados, cabe dizer que Nelson retirou a mão do manequim tão logo eu o abordei, colaborando em bom humor comigo, que sou coagido a fazer isso, sem me humilhar ou protestar contra mim por uma proibição que não vem de minha vontade, mas que é d’eu mesmo sendo utilizado na orquestração do institucional)

(e o museu que agia por mim, no banalizar de sua assepsia frente ao toque e seu calor, me proporcionou abertura para algo que posso dizer finalmente meu. Não era minha ação, mas foi hesitação só minha. Sem dúvidas)

Proposta de trabalho para ocorrer no seu corpo

Mônica Coster <costerponte@gmail.com>15 de maio de 2018 18:59

Para: “Jandir Jr.” <mailexpressivo@gmail.com>

Te proponho a permanecer, durante o tempo que lhe for possível, com seus relógios pessoais atrasados em uma hora, ou seja, ajustados para o horário de verão.

Jandir Jr. <mailexpressivo@gmail.com>15 de maio de 2018 18:09

Para: Monica Coster <costerponte@gmail.com>

Permanecerei durante quatro meses, seguindo o direcionamento a que você mesma se submeteu.

 

 

06/05/2018 – 04:30

(por Monica Coster)

Na minha infância, quando, em um relógio digital, o número das horas era o mesmo que o dos minutos, nós fazíamos um desejo. É claro que sempre se pode fazer pedidos ao cosmos, mas aqueles feitos por dois olhos de criança cravados, durante os demorados 60 segundos, nos números gêmeos do relógio, têm muito mais chance de serem bem sucedidos. Nós não experimentávamos essa prática nos relógios analógicos, tanto porque demoraríamos mais de 1 minuto para decifrar a posição dos ponteiros, quanto porque a magia estava da grafia duplicada dos números. Confesso que essas pequenas crenças – que em muito se aproximam a uma espécie de toque – são as que ficaram mais intimamente incrustadas em mim, de modo que hoje me é praticamente impossível deixar passar um 15:15, ou um 09:09 sem fazer nenhum desejo secreto.

 

O caso é que a partir do dia 05/05/2018, comecei a usar os meus três relógios – analógico, de pulso e digitais, do celular e do computador – ajustados ao horário de verão, ou seja, atrasados em uma hora em relação à hora local do Rio de Janeiro. Me entreguei de tal modo a essa vivência que com uma frequência muito menor do que imaginei preciso fazer a conversão mental dos números. E então sigo dormindo às 00:00, como costumava dormir e acordando às 09:00, como costumava acordar – isso graças ao fato de que eu não tenho compromissos em horas fixas.

 

Estar com o relógio atrasado em uma hora não é nada em termos de viver o futuro. Nesse exato momento, nas ilhas oceânicas de Fernando de Noronha, São Pedro e São Paulo, Martins Vaz e Trindade, todos os relógios estão ajustados do mesmo modo que o meu relógio, com duas horas a menos que a hora local de Greenwich. Então, posso saber, um pouco inutilmente, que quando o meu relógio marca meio-dia – 11:00 no Rio de Janeiro – também é meio-dia para os que estão ancorados nas ilhas brasileiras. O caso é que a partir do dia 05/05/2018 comecei a usar os meus três relógios ajustados ao horário de verão e assim permanecerão até novembro deste mesmo ano, quando o horário local do Rio de Janeiro mudará e os meus relógios serão englobados pela hora certa.

 

Recentemente me emocionei com a história de um amigo que se apaixonou por uma pessoa no ano passado, quando as datas de seus aniversários corresponderam respectivamente ao término e início do horário de verão. E o amor entre eles sempre foi assim, defasado em uma hora. O que significa dizer que eles pertencem ao mesmo fluxo temporal, movem-se na mesma velocidade, relacionam-se na mesma frequência, escrevem no mesmo ritmo, mas estão sempre separados por uma hora de diferença. “Uma paixão de verão. Essa foi a maldição que jogaram sobre nós.” Eu não acredito nisso. Você pode usar o meu relógio. Pode fazer um pedido às horas duplicadas, pois nesse relógio, é sempre verão. Tentativa de que habitemos o mesmo código das horas, a mesma criptografia. Esse relógio é o único para o qual podemos fazer pedidos agora, respondi. “Então estamos à mercê dele?” A hora mágica é sempre a hora defasada. “E o que há no verão de tão especial? O relógio poderia estar duas, três, quatro horas atrasado. Ou então adiantado em uma hora, que estaria fora do tempo”. Sim, mas agora nosso tempo é contado. Em poucos meses já teremos entrado no curso normal das horas. “Me dê um pouco mais de tempo, ele me pediu. Sempre sobra tempo pra te esperar, o respondi. Sempre sobra pelo menos uma hora.”

André Vargas

<andrevargasantos@gmail.com>7 de maio de 2018 20:09

Para: “Jandir Jr.” <mailexpressivo@gmail.com>

Sola e solo partem de onde verbo, e verba, se conjugam no mesmo cultivo-cultura. No culto dos ocultos ninguém está presente e este é o meu presente passando ao passado do fui. Sequer fui eu, um dia, que fui descalço a sentir chão, mas Jandir. Hão os calados calçar sapato à boca feito poetas arcaicos, ou as calçadas seguirão frias na poesia dos meio-fios brancos de cal, calmos de sol, soltos? A escrita grita e, por isso, todos ouvem – ninguém entende trova trovão, trovoada.

Jandir escreveu e se disponibilizou a fazer o que outro escrevesse, eu escrevi respondendo Jandir, me disponibilizando a outorgar, alterando em Jandir um sentido qualquer, mas isso sempre foi Jandir. Nunca fui eu, como uma pichação conceitual no muro da minha própria casa. Culpados, cumplices, mandantes – há crime, sunt lacrimae rerum, e castigo: “O respeito à estética é o primeiro sinal de impotência. Nunca o senti mais do que agora e compreendo cada vez menos qual foi o meu crime…”. Mas escrevo agora para que o jogo continue, como se eu usasse um password (senha: palavra para seguir) e para que eu seja um pouco mais Jandir nas minhas ruas e que tudo possa Jandir.

Amigo.

Escrevi que Jandir teria de andar descalço do trabalho até a sua casa – excetuando os momentos em que estivesse dentro de algum meio de transporte, ou seja, os momentos em que ele não tivesse que andar –, e que, ao chegar à sua casa, fotografasse a sola de seus pés. Assim ele fez e, então me enviou as fotografias.

Não conversamos muito sobre essa experiência depois de feita, mas ele me disse rapidamente que havia sido difícil, pois, no dia em que fez o que lhe escrevi, o chão da cidade estava cheio de lama e ele tinha uma companhia de caminho que lhe julgava o ato insano de andar descalço. Mas eu preciso contar a Jandir o que eu vinha pensando sobre quando me senti a vontade de enviar-lhe tal sugestão, mesmo que só seja grito, seja trovão.

Os corpos pêndulos se inclinam

Como carrilhões ao avesso

Para um lado e para o outro

Hipnotizando deus

Dizem andar, os demônios

Em seus domínios singelos

Mas a terra pesa nos ombros

Vivos, uivos, sem gravidade

A terra é um plano infalível

De ter um plano infalível

E o que fazemos é acreditar

Que fazemos o nosso alívio

No pisar ao chão de um bicho

Não há pegada senão

Aquela que o próprio chão

Deixou ao correr

De nossas raízes envenenadas

E nossos galhos sombrios

Não sobra uma migalha

Pelo caminho dos pés

Mas nos pés o chão deixou

A origem do universo

E toda aquela mentira original.

A partir de hoje, começo a trabalhar dia-a-dia vestindo meus chinelos e calças claras surradas, mesmo que sem autorização prévia.

Cartazes tam. A3 foram distribuídos aos poucos no dia 6 de maio, mas nem uma pessoa atendeu ao seu pedido por encontro.

(após tantxs vigilantes me pedirem o crachá no pescoço, voltei a colocá-lo lá. Não concordo com a coerção que são orientadxs a exercer sobre mim, mas sou solidário a elxs – é quando habito a tênue camada entre a amizade e a submissão: no que nelxs se confunde ao patrão)

Quando pus o crachá na mão, demoraram a perceber que algo tinha mudado, e nos foi claro que sua ausência em meu pescoço nunca foi um problema. No sedimentar de nossa convivência minha existência se fez suficiente?

Mas não chegou a me faltar crachá nesse trânsito oportuno para fora da largura da nuca. É que percebo, mesmo com o movimento de pinça que o polegar opositor atesta, a correia presa firme em apenas dois dedos, sustentando-se num abismo pequeno, à distância da gravidade. E envergaram, o anelar e o do meio, com os músculos tesos pelo peso que pesava antes e tanto toda a cabeça. Por isso, assim como quando insisto meus pés em sandálias quando os querem calçados, comecei a carregá-lo, crachá, quase o roçando no chão.